Após ‘lua de mel’, mercado argentino dá choque de realidade a Milei
Queda de títulos, enfraquecimento do peso e frustração com leilões de dívida dão banho de água fria nos planos do presidente
O presidente da Argentina, Javier Milei – Tomas Cuesta – 12.dez.2023/Reuters
JORGE ATAOLA
FOLHA E S.PAULO
BUENOS AIRES | REUTERS – Os mercados argentinos, que dispararam depois que o presidente Javier Milei assumiu o cargo há um mês, agora estão dando ao líder libertário uma dose de realidade, com os preços dos títulos caindo, o peso se enfraquecendo novamente e os investidores cautelosos com os novos leilões de dívida do governo.
O banho de água fria dos investidores, após uma lua de mel inicial, ressalta o enorme desafio que Milei enfrenta ao tentar conter a inflação —que se aproxima de 200%—, evitar a agitação social, reconstruir as reservas do país e resgatar um programa de US$ 44 bilhões com o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Ele também enfrenta resistência no Congresso, onde sua coalizão libertária não tem maioria, ao seu projeto de reforma “omnibus”, que visa privatizar entidades estatais e aumentar os impostos. Um decreto que desregulamenta a economia também enfrentou obstáculos legais.
“A realidade está batendo na cara dele”, disse o analista financeiro local Marcelo Rojas. “Suas intenções são boas, mas isso não é suficiente e é isso que estamos começando a ver.”
Os preços dos títulos soberanos do país começaram a cair depois de uma forte corrida desde a vitória de Milei em meados de novembro. Um índice de risco do país atingiu o nível mais alto em sete semanas, e um título destinado aos importadores não conseguiu encontrar compradores.
Enquanto isso, a diferença entre a taxa de câmbio oficial do peso-dólar e as taxas paralelas —usadas por muitos para contornar os rígidos controles de capital— está aumentando novamente depois que uma grande desvalorização em dezembro a reduziu significativamente.
“O governo está começando a enfrentar seus primeiros obstáculos. Sua falta de força política está agora mais evidente: o bônus para os importadores não conseguiu decolar e a diferença cambial aumentou novamente mais cedo do que o esperado”, disse a corretora Cohen em uma nota.
Ela acrescentou que o decreto de Milei e o projeto de reforma não parecem promissores, a menos que o presidente esteja disposto a fazer concessões.
No entanto, o banco central acumulou quase US$ 4 bilhões em reservas de moeda estrangeira desde que Milei assumiu o cargo, e o índice de ações local S&P Merval continua em forte alta, com a empresa petrolífera estatal YPF tendo sido impulsionada por conversas sobre privatização.
Nome egresso do governo de Maurício Macri, Luis Caputo foi ministro da Economia e chefe do Banco Central naquela gestão; sob Milei, voltou à Agustin Marcarian – 11.dez.23/Reuters
OLHOS NA INFLAÇÃO
Enquanto isso, todos os olhos estão voltados para a economia, com a expectativa de que a inflação tenha chegado a quase 30% em dezembro e ultrapassado 200% no ano passado. Dois quintos da população já está na pobreza.
O país, um importante exportador de grãos, também está correndo para reviver seu enorme acordo com o FMI, com negociações em Buenos Aires na última semana com o objetivo de desbloquear a sétima revisão do programa e cerca de US$ 3,3 bilhões em recursos.
O economista Aldo Abram, da Fundação Libertad y Progreso, disse que as perspectivas do mercado dependem muito do sucesso ou fracasso de Milei em suas reformas.
“O lado ruim é que, como está acontecendo agora, todas as notícias que possam desacelerar o progresso do governo criarão uma queda ainda maior na demanda por pesos, colocando-nos mais perto da hiperinflação”, disse Abram.
“Por outro lado, tudo o que levar à confirmação da mudança de rumo incentivará a preferência por ativos locais, afastando-nos da crise.”