21 de novembro de 2024

Faustão: por que um transplante pode causar a falência de outro órgão do corpo? Médicos explicam

Apresentador passou por um transplante renal no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, mesmo local em que recebeu um novo coração há seis meses

Apresentador Faustão participa de campanha do Ministério da Saúde que incentiva a doação de órgãos — Foto: Reprodução

BERNARDO YONESHIQUEADRIANA DIAS LOPESO GLOBO – Fausto Silva, o Faustão, foi hospitalizado no domingo (25) no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, devido a problemas renais, segundo informou boletim médico divulgado nesta terça-feira (27). O apresentador foi submetido a um novo transplante, dessa vez de rim, nesta segunda-feira (26) no mesmo local em que, seis meses antes, recebeu um novo coração após um quadro grave de insuficiência cardíaca.

Qual é o estado de saúde de Faustão?

Segundo o boletim médico, Faustão “deu entrada no Hospital Israelita Albert Einstein para preparação para um transplante de rim, em função do agravamento de uma doença renal crônica. (…) A cirurgia aconteceu, sem intercorrências, na manhã de ontem (26)”.

Um transplante pode afetar outro órgão?

O documento, no entanto, não especificou se o problema no rim foi ligado ao procedimento cardíaco a que ele foi submetido no final de agosto. Existe, porém, uma relação entre o transplante de órgãos que não sejam o rim e problemas renais após o procedimento. É o que aponta uma série de evidências, como um artigo de revisão publicado em 2021 no American Journal of Kidney Diseases pelo diretor-executivo do Programa de Transplante do Hospital Adventista Centura Porter, nos Estados Unidos, Alexander Wiseman.

Na análise, ele escreve que o quadro de doença renal crônica é considerado “uma apresentação clínica comum, afetando de 10% a 20% dos receptores de transplante de fígado, coração e pulmão e representando aproximadamente 5% da lista de espera para transplante de rim”, como foi o caso de Faustão.

No Estado de São Paulo, para se ter uma ideia, dos 2 mil transplantes renais ocorridos em 2023 pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 34 foram de uma pessoa já transplantada de outro órgão que precisou receber um rim tempos depois.

Como funciona a fila de espera por transplante?

Essa situação faz o paciente se tornar prioridade ao ser colocado novamente na fila de espera pela cirurgia, explica o nefrologista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) José Osmar Medina Pestana, diretor do Hospital do Rim, também no estado paulista.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que o principal fator por trás dessa relação entre um novo órgão e uma possível disfunção renal é o uso de medicamentos imunossupressores para atenuar a atividade do sistema imunológico e, com isso, inibir a rejeição do organismo ao transplante. Isso porque, embora indispensáveis, os fármacos são considerados nefrotóxicos, ou seja, têm potencial de causar lesão nos rins.

— Depois do sistema imunológico, o rim é o órgão mais sensível aos efeitos tóxicos dos imunossupressores — diz Medina.

Stephanie Rizk, especialista em terapia intensiva e transplante cardíaco na Rede D’Or, no Hospital Sírio-Libanês e na Cardio-Oncologia do InCor, explica como atuam alguns desses fármacos mais utilizados, os inibidores de calcineurina ciclosporina e tacrolimus.

— Os remédios são essenciais, mas a ciclosporina pode causar vasoconstrição nos rins, o que reduz o fluxo renal e consequentemente a taxa de filtração do órgão. Isso pode causar lesão renal tanto aguda, como a longo prazo, de forma crônica. O tacrolimus pode atuar de forma diferente, por meio de danos ao túbulo renal, mas também afeta o funcionamento do rim — diz ela, que é doutora em Cardiologia pela Universidade de São Paulo (USP).

Quais fatores podem contribuir para insuficiência renal como a de Faustão?

A cardiologista afirma que eventualmente é preciso combinar uma droga com outra, ajustar a dose do imunossupressor ou tentar fazer a troca por um fármaco que seja menos nefrotóxico quando os problemas aparecem. Mas destaca que há outros fatores que podem contribuir para uma insuficiência renal como a de Faustão além dos medicamentos.

— Outro cenário é que os pacientes pós-transplante, mais a longo prazo, podem desenvolver uma hipertensão arterial, que eleva o risco de problemas nos rins. Pode haver também uma doença preexistente. Ele podia ter um comprometimento renal, que não sabemos a causa específica, que pode não ter se resolvido completamente — diz, ela lembrando que, segundo o boletim médico da época, o apresentador precisou fazer diálise antes do transplante.

A diálise é um procedimento artificial que remove os resíduos e a água em excesso no sangue quando os rins não conseguem mais realizar essa função de forma adequada. Além disso, há o risco de infecções em pacientes imunossuprimidos, caso dos recém-transplantados, que podem atingir o órgão, continua Rizk.

Em relação ao tratamento e ao prognóstico de casos de doença renal após um transplante, a especialista afirma que depende da gravidade do quadro:

— Dependendo da causa específica e do estágio, é possível reverter a disfunção renal. Um paciente em um estágio avançado pode receber alta e realizar a diálise ambulatorial, porém é uma situação que piora bastante a qualidade de vida. Mas existem algumas classificações de insuficiência renal, quando o paciente precisa fazer diálise é um estágio mais avançado.

Análise de 70 mil transplantes destacou relação

Essa associação entre um transplante e problemas futuros nos rins ganhou destaque depois que, em 2003, um estudo publicado no periódico no New England Journal of Medicine (NEJM) analisou quase 70 mil pessoas que passaram por um transplante nos EUA entre os anos de 1990 e 2000 e constatou que 16,5% dos pacientes desenvolveram doença renal.

O risco do problema nos primeiros cinco anos após o procedimento variou de 6,9% a 21,3% de acordo com o órgão transplantado. O mais baixo foi observado entre aqueles submetidos a um transplante de coração-pulmão, e o mais alto entre os que receberam um novo intestino. Entre os pacientes que apenas receberam o coração, como Faustão, foi de 10,9%.

Rizk explica que esse percentual varia na literatura, com alguns trabalhos apontando que a disfunção renal pode chegar a até mesmo 25% a 30% dos pacientes a curto prazo, no primeiro ano, muitas vezes de forma leve a moderada.

No estudo da NEJM, foram identificados como fatores de risco a idade avançada; ser mulher; ter diabetes; ter hipertensão arterial; ter sofrido um quadro insuficiência renal aguda no pós-operatório e ter sido infectado com hepatite C antes do transplante.

Os rins são órgãos vitais para o funcionamento do corpo humano por filtrarem o sangue e retirarem dele substâncias nocivas para o organismo, como toxinas, amônia, ureia e ácido úrico. Além disso, eliminam o excesso de água, sais e eletrólitos, mantendo o equilíbrio hídrico do corpo e evitando danos como edemas e aumento da pressão arterial.

O diagnóstico de problemas renais, assim como doenças renais e insuficiência renal, é utilizado como um termo guarda-chuva que engloba diferentes motivos que afetam o funcionamento dos rins. A Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN) estima que aproximadamente 10 milhões de brasileiros têm alguma disfunção renal.

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