12 de outubro de 2024

Os 25 anos da morte do sertanejo Leandro

Repercussão da morte de um artista diz muito sobre a vida dos vivos

Leonardo põe chapéu de Leandro na cabeça do sobrinho Tiago, filho de Leandro – Sérgio Lima – 25.jun.98/Folhapress

GUSTAVO ALONSO

FOLHA DE S.PAULO – Hoje, dia 23 de junho, completam-se 25 anos da morte do cantor Leandro. Com o irmão Leonardo, a dupla foi a trilha sonora do início da década de 1990, enfileirando sucessos como “Entre Tapas e Beijos”, “Pense em Mim”, “Desculpe mas Eu Vou Chorar”, “Sonho por Sonho”, “Eu Juro” e vários outros hits que marcaram gerações.

O cantor morreu em decorrência de um câncer raro, no auge da fama, e era conhecido em todo o Brasil. Desde 1995 realizava com o irmão o especial “Amigos” na TV Globo, junto com as duplas Chitãozinho & Xororó e Zezé Di Camargo & Luciano. Leandro foi um dos agentes da transformação da música sertaneja na cultura nacional, que deixou de ser periférica para assumir status de principal produto pop brasileiro.

Entre o diagnóstico do câncer e a morte, Leandro teve 63 dias de vida. Seu sofrimento foi filmado e transmitido pelos principais telejornais do Brasil por mais de dois meses. Talvez até por essa preparação midiática, sua precoce morte, aos 36 anos, ganhou dimensões nunca antes vistas na música sertaneja.

O velório de Leandro foi grandioso, o público comoveu-se com a cerimônia realizada na Assembleia Legislativa de São Paulo. Cerca de 16 mil pessoas passaram em frente ao caixão. Estiveram presentes o prefeito de São Paulo Celso Pitta, o senador Eduardo Suplicy, os apresentadores Hebe Camargo, Serginho Groisman, Ratinho, Angélica, Gilberto Barros, o padre Antonio Maria, a cantora Beth Guzzo, entre várias outras celebridades.

Depois o corpo foi transladado para Goiânia. A família tentou ter um breve momento a sós com o corpo, mas o povo ameaçava quebrar os portões do ginásio Rio Vermelho. Cerca de 60 mil pessoas visitaram o caixão nas 13 horas de velório em Goiânia, que vararam a madrugada. Estiveram presentes Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo & Luciano, Milionário & José Rico, Daniel, Gian & Giovani, Odair José, Vanusa e Conrado, entre outros.

Os presentes ouviram declarações públicas do presidente Fernando Henrique Cardoso. O técnico da seleção brasileira de futebol, Zagallo, também manifestou condolências e revelou o abalo que a morte do cantor causara no espírito dos jogadores que então disputavam a Copa do Mundo na França. A Rede Globo transmitiu o velório e o enterro para todo o país ao vivo, no dia 24, deixando de exibir metade do jogo entre França e Dinamarca. Das grandes TVs abertas, só a Bandeirantes transmitiu o jogo na íntegra.

A dupla sertaneja Leandro & Leonardo no início dos anos 1990 – Chico Audi/Divulgação

A comoção nacional, que fez o país trocar o futebol pela música, trouxe reavaliações sobre o tamanho da música sertaneja em fins dos anos 1990.

O compositor Renato Teixeira afirmou: “A reação popular mostra que não dá mais para disfarçar ou ignorar a música sertaneja. Para mim, ela já é um novo componente da MPB”. O então governador de São Paulo, Mário Covas, disse: “Não é somente uma perda para a música sertaneja. Basta ver a comoção da multidão aí fora”.

Nem todos foram tocados pela morte de Leandro. O crítico marxista José Ramos Tinhorão aproveitou para destilar sua visão esquemática em momento inoportuno ao escrever em sua coluna no Jornal do Brasil: “Uma vez assisti a uma entrevista de Leandro e Leonardo no programa do Jô Soares e vi que eles faziam questão de enfatizar sua origem humilde. Veja bem, não se trata de compositores da cidade fingindo ser rurais. É pior. São músicos que falsificaram sua própria cultura rural, por influência da indústria cultural. Leandro e Leonardo e as demais duplas sertanejas são autênticos pela origem e inautênticos pela cultura”.

Desde que os sertanejos passaram a disputar o centro da música brasileira, tais críticas haviam sido corriqueiras. E nem a comoção da morte de Leandro foi capaz de calá-las.

Já havia ocorrido mortes impactantes na música sertaneja. Em 1972, morreu Belmonte, da dupla com Amaraí, em acidente de carro. Famoso na época pela canção “Saudade da Minha Terra” (1967), sua morte não teve o mesmo peso da de Leandro, pois a música sertaneja de então era um gênero ainda apenas regional.

A tragédia que se abateu a João Paulo, parceiro de Daniel morto em acidente de carro em setembro de 1997, pegou todos de surpresa. Não teve a mesma repercussão, mas preparou o terreno para a comoção com a morte de Leandro.

Desde então criou-se um padrão de comoção em torno da morte de artistas da música sertaneja: mobilizações intensas, velórios públicos, grande participação midiática.

A morte de Cristiano Araújo em um acidente de carro em 2015 foi a primeira morte de sertanejo cuja repercussão se sentiu também na internet. Seu velório seguiu os moldes do de Leandro, e a cerimônia pública aconteceu no Centro Cultural Oscar Niemeyer, na capital de Goiás. Mais recentemente, morreu Marília Mendonça, em acidente aéreo em 2021. Seu corpo foi velado no Goiânia Arena e, em sua morte, a cantora tornou-se ainda mais reverenciada do que em vida.

A repercussão da tragédia que se abateu sobre Marília Mendonça forjou de vez uma heroína feminista para as massas, bem ao gosto das pautas identitárias influentes hoje em dia. A morte de Leandro nos ajudou a dimensionar o tamanho da música sertaneja na sociedade brasileira, menos de dez anos depois da explosão do gênero na virada da década de 1990.

A repercussão da morte de um artista diz muito da vida dos vivos.

Doutor em história, é autor de ‘Cowboys do Asfalto:
Música Sertaneja e Modernização Brasileira’
e ‘Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga’.
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