Audiência debate dados alarmantes e impactos da imprudência no trânsito
Aline Kraemer
“Em 5 de outubro de 2022, a minha mãe (Francielly Ferreira de Souza) estava indo me buscar na escola mas não apareceu e não me atendia pelo celular. Fui para casa e esperei, esperei, esperei… Liguei novamente e quem atendeu foi um policial que não sabia me dizer ao certo o que havia acontecido. Minha mãe colidiu com um carro, ficou em coma por um mês e inconsciente por 6 meses. Hoje ela está consciente e luta para ter uma vida normal. Ela teve consequências para a vida dela e eu também tive para a minha. Fomos afetados e eu precisei amadurecer com 18 anos necessitando permanecer ao lado dela e ser forte. Ela renasceu mas precisa voltar a viver novamente, por mais que precisamos passar por situações difíceis eu sei que vai dar tudo certo. Esse foi um impacto enorme na nossa vida e estamos lutando. E eu sei que não aconteceu só com ela, pois muitas pessoas sofrem acidentes e não tem a oportunidade de lutar ou recomeçar. A responsabilidade é o mais importante, não adianta ter pressa, precisamos ser conscientes no trânsito”.
Filha de vítima de acidente de trânsito, a jovem Emilly Stefani de Souza, de 18 anos, transmite seu depoimento na audiência pública “Como as escolhas no trânsito impactam na sociedade”, realizada nesta segunda-feira (18), na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS), em conjunto com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-MS). O evento, alusivo à Semana Nacional do Trânsito, aconteceu no Plenário Júlio Maia, por proposição do deputado Junior Mochi (MDB), que integra a Frente Parlamentar de Infraestrutura, Logística e Transporte do Legislativo Estadual.
Participaram representantes de órgãos e agências municipais de trânsito, do Poder Judiciário, dos poderes legislativos municipais, do Corpo de Bombeiros, da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária. Após a apresentação do Coral dos Servidores da Assembleia Legislativa foi exibido um vídeo institucional a respeito da temática. Em seguida, o deputado Junior Mochi leu alguns dados alarmantes sobre o trânsito do Estado. “Mato Grosso do Sul tem o quinto maior índice de morte em acidente de trânsito a cada 100 mil habitantes por embriaguez e a terceira maior taxa do país por embriaguez nos casos de feridos pelo trânsito. O índice é alarmante por várias razões. Só neste final de semana recebemos um relatório do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Campo Grande do período de 15/09 a 17/09 na qual estão registrados 71 acidentes em três dias só na nossa Capital. Desses acidentes, 28 envolveram carros e motos. Os dados fornecidos pela Polícia de Trânsito Mato Grosso do Sul também são preocupantes: em 2022 tivemos 4.103 acidentes com vítimas feridas e 76 com vítimas fatias Desse total 3096, ou seja 75%, envolvendo motocicletas”, demonstrou o parlamentar.
Palestras – A palestra com a temática “A evolução dos índices de morte em países que adotaram medidas de segurança e sobre os resultados da Suécia” foi ministrada pela engenheira mestre em Engenharia Urbana e Ambiental, com especialização em Mortes no Trânsito e Visão Zero, Ana Carolina Oliveira Prado. A palestrante destacou a filosofia “Visão Zero”, onde se produz políticas baseadas em ética, responsabilidade compartilhada e usando somente de métodos científicos e comprovados na tentativa da eliminação de mortes e lesões graves.
Ela exemplificou os resultados da Suécia, onde morrem menos de 3 pessoas a cada 100 mil habitantes e foram implantadas zonas de segurança, com velocidades de até 30km/h e barreiras de contenção nas rodovias. “No Brasil, entre 1980 e 2011, foram quase 1 milhão de mortes por acidentes de trânsito. Temos o índice global de 17 mortes a cada 100 mil habitantes. As pessoas não devem morrer no trânsito. Muitos questionam que a Suécia é outro mundo, como nós vamos comparar? Se outros países conseguem reduzir, nós somos capazes também, podemos utilizar essa metodologia e tipos de abordagem para as ações de redução das mortes no nosso trânsito. Há também as medidas para usuários mais vulneráveis, como ciclistas, motociclistas e pedestres”, explanou. Ao final de sua apresentação, ela deixou o questionamento: “Qual o meu papel como um agente de mudança para um trânsito mais seguro?”, finalizou.
Representando todos os órgãos do trânsito de Mato Grosso do Sul, o tenente coronel Élcio Almeida falou sobre a “Violência no trânsito e a Lei Seca”. Ele apresentou as principais causas de acidentes de trânsito em Campo Grande e no Estado, que são: uso de bebida alcoólica e condução de veículo automotor, imprudência (alta velocidade), negligência (falta de atenção, uso de aparelho de celular) e não habilitação. “Está acontecendo muito acidente de trânsito por uso do aparelho celular. Infelizmente, a juventude de 18 e 25 anos está se envolvendo em acidentes”, revelou.
Élcio reforçou o trabalho realizado pelo Batalhão de Polícia Militar de Trânsito diariamente. “A Lei Seca (11.705/2008) trouxe uma evolução muito grande para trabalharmos e fiscalizarmos. Com a Lei temos as alterações no Código de Trânsito Brasileiro e aconteceram aumentos do rigor das infrações e suas penalidades e também maior rigor no crime do art. 306, que é dirigir sob influência de álcool. As ações são trabalhadas para que as pessoas mudem os comportamentos no trânsito”. O policial mostrou os números de acidentes no Estado com fator preponderante sob influência de álcool e as prisões em 2022 e 2023. No ano passado, os acidentes com fator preponderante sob influência de álcool chegaram em 222 e foram 180 prisões. Já em 2023, dados computados até 31 de agosto, os acidentes com fator preponderante sob influência de álcool já somam 142 e as prisões 134. Ele também citou os tipos de infrações cometidas e os acidentes. “Em 2022 foram 11.152 acidentes, sendo os 4.103 com vítimas, 6.973 sem vítimas e 76 óbitos. Neste ano de 2023 já temos registrados, até o dia 31 de agosto, 7.803 acidentes, sendo 2.835 com vítimas, 4.924 sem vítimas e 44 óbitos”, elencou.
Ele destacou que diariamente estão focados no trabalho para surtir resultados. “Em relação as ações de fiscalização do batalhão de trânsito, tivemos aumento no número de operações de bloqueio de trânsito (blitz), mapeamento de áreas de maior incidência de sinistros, uso da inteligência em ações de policiamento de trânsito e policiamento ostensivo focado na prevenção”, explicou.
O vice-presidente da Santa Casa de Campo Grande-MS, Jary Castro, abordou o assunto “Os impactos dos sinistros de trânsito na rede de saúde”. No início da palestra ele comentou que o tema transcende as estatísticas e números, atingindo a essência da sociedade e do sistema de saúde que todos valorizam. “Os sinistros de trânsito são uma realidade global que afeta milhões de pessoas a cada ano, resultando em perdas devastadoras em termos de vidas, recursos financeiros e qualidade de vida. A cada três minutos são ocasionadas uma invalidez. O Brasil gasta 50 bilhões por ano esses pacientes”, mostrou.
Ele apresentou alguns dados do hospital de referência para atendimento de traumas. “É esperado um público envolvido em acidente de trânsito, com conversão (indicação de internação hospitalar) de 86% dos casos, sendo 76% do sexo masculino e 24% do sexo feminino, e idade média de 34 anos. Os homens são mais imprudentes. Isso impacta muito no nosso país. Não podemos ignorar essa guerra diária e as pessoas precisam entender o que está acontecendo”, apontou.
De acordo com Jary Castro é preciso unir esforços para encontrar uma forma mais contundente para diminuição desse percentual. “Pelas características regionais, principalmente relacionadas às vias públicas, a taxa de mortalidade de Mato Grosso do Sul é 43% maior que a média nacional, estando em 10% (por 100 mil habitantes)”, ilustrou. O palestrante trouxe dados e impactos do sistema como um todo, como tipos de cirurgias, atendimento especializado e hospitalar, ocupação dos leitos, tempo de permanência, sobrecarga hospitalar e continuidade do cuidado. “Os recursos destinados para atendimento desses agravos poderiam ser alocados na ampliação de leitos, de serviços de saúde e em programas de qualidade de vida, se todos se comprometessem a reduzir as estatísticas com ações preventivas. É necessário orientarmos as crianças. Vejam o que diariamente acompanhamos nas ruas: com a fila dupla nas escolas os pais estão dando mau exemplo aos filhos. Além das crianças, precisamos fazer um trabalho muito forte na edução desses pais no trânsito”, ensinou.
Atuação Conjunta – A mesa dos trabalhos da audiência pública foi composta pelo proponente deputado Junior Mochi, diretor presidente do Detran/MS, Rudel Trindade, comandante geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado, coronel Frederico Reis Pouso Salas, presidente da comissão permanente de Transporte e Trânsito e da comissão permanente de Segurança Pública da Câmara Municipal de Campo Grande, Vereador Coronel Villasanti, superintendente da Polícia Rodoviária Federal, João Paulo Pinheiro Bueno, juiz titular da 9ª Vara do Juizado Especial de Campo Grande, Djailson de Souza e vice-presidente da Santa Casa de Campo Grande-MS, Jary Castro.
Conforme o diretor presidente do Detran-MS, Rudel Trindade, a questão dos acidentes na Capital e no Estado já remontam 38 anos. “Avançamos muito na estruturação dos nossos órgãos, mas precisamos ter estrutura, equipamento, treinamento e principalmente recursos orçamentários. Quando cheguei na Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran) tínhamos 6 cones para atender uma cidade como Campo Grande. Temos um problema sério a ser enfrentado e temos capacidade para enfrentar, mas precisamos que as autoridades fiscalizem a aplicação destes recursos oriundos das multas de trânsito que são destinados por lei para a educação, engenharia e fiscalização. Sem estrutura e recursos financeiro, não vamos a lugar nenhum. Uma cidade bem sinalizada vai salvar muitas pessoas”, reforçou Rudel Trindade.
Para o juiz titular da 9ª Vara do Juizado Especial de Campo Grande, Djailson de Souza, os acidentes no ambiente urbano tem duas maiores causas. “No meu ponto de vista as causas de acidentes no ambiente urbano são: a pressa, que a jovem colocou em seu depoimento, e a desobediência das regras do trânsito. Creio, que mesmo os juízes criminais, não tem muitos meios de punir com rigor por causa da legislação”, citou.
Presidente da comissão permanente de Transporte e Trânsito e da comissão permanente de Segurança Pública da Câmara Municipal de Campo Grande, o vereador Coronel Villasanti disse que Campo Grande registrou 76 mortes no trânsito ano passado. “Ainda é muito, mas a evolução, a educação, a mudança comportamental, a engenharia e a fiscalização rigorosa, firme e continuada, além das ações na áreas administrativas, avançam em conjunto para diminuir os dados”. Ele exemplificou alguns pontos fundamentais para a melhora do trânsito na cidade e destacou a importância do transporte coletivo para minimizar as mortes e melhorar a qualidade da mobilidade urbana”, disse.
Conforme o comandante geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado, coronel Frederico Reis Pouso Salas, é necessária a educação para reduzir as estatísticas. “O que foi mostrado no vídeo institucional são as ações que impactam nossas vidas. São 1.220 ocorrências por mês no Estado e três cidades ocupam 50% da nossa demanda: Campo Grande demanda 32% de nossas ocorrências, em seguida Dourados demanda a segunda maior capacidade de empenho de nossas viaturas e a terceira é Ponta Porã. As escolhas que fazemos refletem na demanda do nosso serviço, principalmente depois de uma escolha errada, pois impactam em todos os serviços prestados. Pode ser na Suécia, em Moçambique ou aqui no Brasil, tudo se começa pela educação. Não é uma utopia, os estudas provam isso. Todos nós temos os núcleos de educação continuada e que debatem esses assuntos nas escolas. Todas as instituições aqui precisam investir em educação, a precoce mesmo, onde as crianças aprendem e levam outro conceito do trânsito para a casa. O segredo do sucesso é a educação. Nós somos por vocês!”, apontou o comandante.
O superintendente da Polícia Rodoviária Federal, João Paulo Pinheiro Bueno, explicou que o volume diário de trânsito de veículos na rodovia aumentou muito nos últimos dez anos. “Hoje é bem diferente e temos um efetivo histórico da polícia rodoviária federal de 650 policias para todo o Estado, que tem quase quatro mil quilômetros de estradas federais. Precisamos de investimentos em educação e infraestrutura. E a educação é a palavra e vai salvar o nosso trânsito. A responsabilidade está nas mãos de todos nós. Vamos fazer do trânsito um lugar mais seguro”, expôs.
O deputado Junior Mochi colocou o Legislativo Estadual a disposição para debater e encaminhar soluções para o trânsito. “Que possamos, no próximo ano, ao realizar o evento durante esta Semana Nacional do Trânsito, comemorar as quedas destes números com ações eficazes e comunhão de esforços. Estamos aqui com este objetivo e colocamos a disposição a Casa de Leis para que seja palco das discussões e encaminhamentos e, se for necessário, aprimoramento da nossa legislação no sentido de procurarmos juntos todos os esforços para reduzir os índices alarmantes no qual o Mato Grosso do Sul está inserido”, finalizou o parlamentar.
Confira a audiência pública na íntegra: