Consciência Negra: “É entender que não é bullying, é racismo”, alerta psicóloga
Página multimídia especial reúne vasto material gratuito para valorização racial e combate ao preconceito – Foto: Artes: Luciana Kawassaki / Fotos: Luciana Nassar
Fernanda Kintschner
O Dia da Consciência Negra, nacionalmente datado em 20 de novembro, em alusão à morte de Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência contra a escravidão no Brasil, é um convite para relembrar a luta do povo negro contra a opressão e pela igualdade racial após séculos de escravização.
Em Mato Grosso do Sul, a Lei Estadual 3.318/2006, de autoria do ex-deputado Humberto Teixeira, instituiu a mesma data para as comemorações estaduais da Consciência Negra, em que deverá ser “divulgada a cultura negra, a origem de seus povos, os efeitos da colonização, seus mártires, a contribuição na formação e desenvolvimento do nosso país, a situação atual dos povos e seus descendentes da África no Brasil e no resto do mundo”.
Para tanto, o Site Oficial da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS) relembra as iniciativas parlamentares ao longo de 12 Legislaturas em prol da igualdade racial, reunidas na página multimídia especial ALEMS Antirracista, produzida pela Gerência de Site e Mídias Sociais, da equipe de Comunicação Institucional, com um vasto material que pode ser acessado gratuitamente clicando aqui.
BULLYING E RACISMO
Dentre as leis listadas na página especial está a Lei Estadual 5.206/2018, de autoria do ex-deputado Amarildo Cruz, que criou o Dia do Orgulho Crespo no Mato Grosso do Sul, a ser comemorado anualmente em 7 de novembro, em homenagem à adolescente Karina Saifer de Oliveira, que se suicidou aos 15 anos de idade em Nova Andradina após sofrer bullying na escola por causa do seu cabelo.
A psicóloga Adriane Lobo, ativista do movimento negro, ressalta a importância do incentivo ao orgulho de ser quem se é. “É importante hoje que as escolas compreendam que não é bullying: é racismo. A partir do momento que entendem que as crianças sofrem discriminação, apontamentos, preconceito, diminuição, por características da pele, físicas de pessoas pretas, como cabelo, cor, formato da boca, se não tiver isso muito claro, não vão conseguir acolher essas crianças. Vão tratar como ‘mimimi’. Precisamos de professores e líderes que as protejam e trabalhem a autoestima dessas crianças, por meio de treinamento e educação antirracista e para ser isso você precisa conhecer a história dos povos escravizados e o pacto da branquitude”, considerou Adriane.
A psicóloga, que é pesquisadora no Grupo de Estudo de Relações Étnicas Raciais e Psicodrama, ainda afirmou a necessidade de uma alfabetização racial. “A escola é um núcleo muito importante junto à família. Temos índices significativos de automutilação, suicídio e evasão escolar pelo descaso com essas crianças. Então a escola precisa acolher a dor dessa criança e não falar que é coisa da cabeça dela. Se não conhecer a história, ver que a identidade brasileira vem de um navio negreiro, que gerou grande parte da nossa população, é não considerar o espaço que se dá para a pessoa negra. Quantas negros existem na cadeia e quantos professores negros existem nas universidades? Essa falta de pessoas pretas, não é falta de competência e sim uma normatividade que existe na sociedade. A gente tenta agora resgatar a potência das pessoas pretas em todos os âmbitos. Da beleza, dos traços, da cultura, da competência. Autoestima positiva. Desde o lápis de cor na cor de pele: de que pele estamos falando?”, questionou a psicóloga. Ouça mais sobre a entrevista pela Rádio ALEMS clicando aqui.
ALEMS ANTIRRACISTA
Outros exemplos de leis listadas na página ALEMS Antirracista é a Lei Estadual 2.605/2003, de Pedro Kemp (PT), que instituiu à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) a reserva de uma cota mínima de 20% de suas vagas nos cursos de graduação destinada ao ingresso de alunos negros, sendo a primeira lei de igualdade social criada no Estado. O impacto positivo da iniciativa foi registrada nesta matéria especial, que levantou junto à UEMS, que 1.858 negros já são egressos pelas cotas raciais.
Pedro Kemp explicou que fez um levantamento à época e constatou que havia menos de 3% de pessoas negras no conjunto de universitários da UEMS. “Sabendo que metade da população é negra em Mato Grosso do Sul, havia, então, uma distorção muito grande. Se não houvesse uma política para garantir o direito deles de acesso ao Ensino Superior íamos demorar muito tempo para pagar essa dívida social que nosso país tem com essa parcela da população. A nossa alegria é que hoje a presença de negros na universidade já é muito significativa e foi feita uma pesquisa de doutorado sobre o desempenho dos cotistas, mostrando para nossa grata satisfação, que eles têm um desempenho igual ou, em determinados casos, até superior aos que não entram pelas cotas”, destacou o parlamentar.
Outra lei de cotas instituída em Mato Grosso do Sul, é a Lei Estadual 3.594/2008, também do ex-deputado Amarildo Cruz, que instituiu como medida de promoção da igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, o programa de cotas reservando 20% aos negros e 3% aos índios, das vagas oferecidas em todos os seus concursos, para provimento de cargos e de empregos públicos nos quadros de carreira; observada a proporcionalidade, aos negros e aos índios aprovados no processo seletivo, realizado em iguais condições para todos os candidatos.
O mais recente Projeto de Lei sobre a temática em tramitação também está listado na página especial e é de autoria do deputado Professor Rinaldo Modesto (Podemos). Em 2023, jogadores de futebol brasileiros sofreram casos de racismo em estádios, o que motivou a apresentação do Projeto de Lei 173/2023. A proposta, em tramitação nas comissões permanentes, institui a Política Estadual de Combate ao Racismo nos estádios e arenas desportivas do Estado de Mato Grosso do Sul e cria Protocolo de Combate ao Racismo, a ser realizado nesses locais.
Ao apresentar o projeto, o deputado Rinaldo argumentou que a temática antirracista deve ser falada todos os dias. “Tivemos em 2014 o caso de racismo contra o goleiro Aranha e recentemente vários ataques ao Vini Jr. Então esse projeto visa impedir a anuência do Estado de Mato Grosso do Sul com ataques de cunho racista e ressaltar uma política da promoção da paz e da tolerância em nosso país. É isso que precisamos”, concluiu.
Ebook, Banco de Talentos e Manual Antirracista
Além das legislações, a página ALEMS Antirracista ainda reúne um Banco de Talentos de artistas negros de Mato Grosso do \Sul – acesse aqui – que está em constante atualização: adicione em seus contatos o Whatsapp da Alems (67 3389-6393) e envie uma mensagem para ser incluído no banco. Na página multimídia também é possível acessar um ebook infantojuvenil feito especialmente para o Dia da Consciência Negra, em que conta a história Preta, rainha nascida do céu e da terra, uma onça-pintada que vivia na imensidão do Pantanal e foi capturada, passando por dramas da segregação, mas que traz uma lição de tolerância e humildade.
Na ALEMS Antirracista você ainda confere um Glossário do Racismo sutil por trás das palavras, para a mudança de vocabulário e uma compilação do livro Pequeno Manual Antirracista, da autora Djmila Ribeiro, para completar o letramento antirracista e incentivar novos hábitos. Vídeos, matérias e áudios produzidos pela equipe de Comunicação Institucional também estão contemplados na página. Acesse aqui.
DENUNCIE
Para ampliar o combate ao preconceito devemos estar atentos aos crimes federais de racismo e injúria racial. O racismo é a conduta discriminatória dirigida a determinado grupo, por preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Isso é o que dispõe a Lei Federal 7.716, a qual tornou, em 1989, o racismo como sendo um crime grave, imprescritível e inafiançável.
Já a injúria racial ocorre quando se ofende a honra de alguém, com atitude discriminatória ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência. Em 2023, a Lei Federal 14.532 equiparou a injúria racial ao crime de racismo, com pena mais severa, com reclusão de dois a cinco anos, além de multa, não cabendo mais fiança.
Denuncie os crimes em flagrante para Polícia Militar pelo 190 ou utilize ainda o canal do Disque Direitos Humanos – Disque 100, serviço de atendimento telefônico gratuito, 24 horas por dia, 7 dias da semana. As denúncias são analisadas, tratadas e encaminhadas aos órgãos responsáveis.