10 de dezembro de 2024

Ex-deputado Fernando Cury é condenado por importunação sexual a Isa Penna

Juíza substituiu pena de prisão por multa de 20 salários mínimos e prestação de serviço

O então deputado estadual Fernando Cury, no plenário da Assembleia Legislativa de SP em 2021 – Divulgação Alesp

CAROLINA LINHARES

FOLHA DE S.PAULO

SÃO PAULO – O ex-deputado estadual Fernando Cury (União Brasil) foi condenado nesta quarta-feira (6) a 1 ano e 2 meses de prisão em regime aberto pela acusação de importunação sexual contra a ex-deputada estadual Isa Penna (PC do B).

A decisão é da juíza Danielle Galhano Pereira da Silva, da 18ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A juíza, porém, substituiu a pena de prisão por multa de 20 salários mínimos a serem doados a uma entidade pública ou privada e prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período da pena. A substituição é prevista no Código Penal em caso de penas inferiores a quatro anos quando o réu não é reincidente. Essa condenação não torna Cury inelegível.

Em 16 de dezembro de 2020, Cury foi flagrado pelas câmeras da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) se aproximando de Isa por trás e apalpando a lateral do seu corpo durante uma sessão plenária.

O Código Penal define importunação sexual como “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. A pena prevista é de um a cinco anos de prisão.

Na sentença, a magistrada afirma que a “conduta de Cury se enquadra perfeitamente nos conceitos apresentados de violência política de gênero, na medida em que ele, enquanto deputado estadual, praticou uma violência sexual contra a vítima, também deputada estadual, em uma sessão plenária […], causando a ela humilhação e impotência, com o fim [de] limitar sua participação política e, assim, prejudicar o exercício de seus direitos políticos, reforçando a dominação masculina naquele espaço e os estereótipos de gênero”.

A juíza afirma ainda que “não prosperam as alegações da defesa de que o crime não ocorreu, pois todos os elementos de prova conduzem à conduta delitiva do réu, que praticou ao mesmo tempo uma violência política de gênero e uma violência à dignidade sexual da vítima”.

O advogado Ezeo Fusco Junior, que defende Cury, afirma que vai recorrer da decisão. “A defesa pretende recorrer da sentença porque entende que a mesma está totalmente divorciada das provas colhidas durante a instrução e se baseou exclusivamente na palavra da vitima, que se mostrou, em várias oportunidades, contraditória e desmentida pelos demais elementos probatórios colhidos no processo”, diz.

Cury foi punido na Assembleia com o afastamento por seis meses do mandato e foi expulso do seu partido à época, o Cidadania. O ex-deputado, cuja base eleitoral é a região de Botucatu (SP), se filiou à União Brasil e concorreu à reeleição em 2022, mas não obteve um novo mandato.

Afastada da vida pública, Isa entrou em depressão após o episódio, trocou o PSOL pelo PC do B e chegou a concorrer a deputada federal no ano passado, mas não foi eleita. Segundo ela afirmou à Folha em janeiro passado, “trabalhar com política virou um gatilho”.

“Estou muito prejudicada mesmo com essa situação. É uma humilhação. Mais uma, além da não cassação dele. A realidade da misoginia nos espaços de poder é estrutural.”

Nas alegações finais, o Ministério Público afirma que, apesar de Cury ter negado, as imagens deixam claro que ele, sem a anuência de Isa e “objetivando satisfazer a própria lascívia, abraçou e deslizou as mãos pela costela e seio da vítima”.

A defesa de Cury afirma não ter havido ato libidinoso. “Não ocorreu toque em regiões de maior intimidade da vítima, muito menos forçado; houve apenas um superficial e simples abraço” que não permite inferir “de forma nenhuma que foi movido por um instinto de satisfazer a libido”, diz trecho das alegações finais.

Aponta ainda a defesa que “nenhuma testemunha afirmou ter presenciado o acusado ter tocado o seio da vítima” e que a perícia da polícia realizada nas imagens do plenário concluiu não ser possível “determinar com convicção ter havido qualquer tipo de apalpação dos seios”.

Isa Penna acompanha, de sua casa virtualmente, a sessão que levou à suspensão temporária de Cury Gabriel Cabral/Folhapress

No curso da ação penal, Cury levou meses para ser localizado e notificado pela Justiça em ao menos duas ocasiões. Quando um oficial de Justiça tentou encontrá-lo em uma carreata da sua campanha, em setembro de 2022, mas não teve sucesso, o Ministério Público de São Paulo chegou a apontar que o ex-deputado estava se escondendo para evitar receber a notificação.

O procurador-geral de Justiça, Mário Sarrubbo, apresentou a denúncia em abril de 2021. O caso do então deputado ficou a cargo do Órgão Especial do Tribunal de Justiça, devido ao foro por prerrogativa de função. Em dezembro daquele mesmo ano, o Órgão Especial aceitou a denúncia por unanimidade.

Em março deste ano, Cury encerrou seu mandato e, como não foi reeleito, o processo foi remetido para a primeira instância no mês seguinte. Desde então, a Justiça ouviu as testemunhas de acusação e defesa, incluindo deputados estaduais, e recebeu as alegações finais de ambas as partes.

O processo contra Cury no Conselho de Ética da Alesp também teve reviravoltas. Em abril de 2021, o plenário aprovou, de forma unânime com 86 votos, a punição de afastamento por seis meses sem salário.

O plenário ampliou a pena antes determinada pelo Conselho de Ética, de 119 dias de suspensão —punição que venceu, após uma reviravolta, por 5 a 4, a proposta do relator Emidio de Souza (PT) de afastamento por seis meses. No conselho, Cury contou com a ajuda de deputados conservadores e religiosos.

O resultado significou uma vitória possível, ainda que não a desejada, para Isa Penna. Embora ela e parte dos deputados defendessem a cassação do mandato de Cury, a pena máxima prevista pelo regimento não alcançaria a maioria absoluta de 48 votos (entre 94 deputados) para ser aprovada.

Segundo a deputada, 44 parlamentares apoiariam a cassação.

Como mostrou a Folha, Cury fez reuniões políticas mesmo afastado do mandato. O suplente que assumiu o mandato, Padre Afonso Lobato (PV), manteve parte dos assessores de Cury.


CRONOLOGIA

16.dez.20 – Durante votação no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Cury se aproxima de Isa Penna por trás e apalpa a lateral do seu corpo

5.mar.21 – Em uma reviravolta, Conselho de Ética da Alesp vota para punir Cury com quatro meses de afastamento em vez de seis meses, como propunha o relator Emidio de Souza (PT). Isa pressionava pela cassação

1º.abr.21 – Plenário da Alesp por unanimidade amplia a punição de Cury para seis meses de afastamento

3.abr.21 – Ministério Público de São Paulo denuncia Cury sob acusação de importunação sexual

22.nov.21 – Cidadania decide expulsar Cury do partido; ele se filia à União Brasil

6.out.21 – Cury retoma mandato após afastamento de seis meses da Assembleia

15.out.21 – Justiça consegue entregar a Cury a notificação para que responda à denúncia após seis meses de tentativas de intimá-lo

15.dez.21 – Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo aceita denúncia, e Cury se torna réu

2.out.22 – Cury não é reeleito para novo mandato na Assembleia

21.dez.22 – Justiça notifica Cury pelo WhatsApp a apresentar sua defesa, após cinco meses de buscas, inclusive em eventos da sua campanha

19.abr.23 – Órgão Especial envia a ação penal para a primeira instância, já que o mandato do então deputado se encerrou em março

26.jul.23 – Justiça começa a ouvir depoimentos de testemunhas, vítima e réu

Out. a nov.23 – Ministério Público, Isa e Cury apresentam alegações finais

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