25 de novembro de 2024

PF pede quebra de sigilo de Michelle Bolsonaro em investigação que apura esquema de desvio de joias

Pedido semelhante foi feito também em relação a Bolsonaro

PF pediu quebra de sigilo de Michelle — Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo.

Por Mariana Muniz

O Globo

Brasília – A Polícia Federal pediu a quebra dos sigilos bancário e fiscal da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro na investigação que apura um esquema que teria desviado para o patrimônio privado de Jair Bolsonaro (PL) joias e outros itens de valor expressivo recebidos por ele na condição de presidente da República.

Outro pedido de quebra foi feito também em relação a Bolsonaro. Uma operação da PF na sexta-feira cumpriu mandados de busca e apreensão contra aliados do ex-presidente, mas ele e Michelle não foram alvos da ação.

A PF aponta a existência de uma organização criminosa no entorno de Bolsonaro. Para o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a operação, há indícios de que o plano ocorreu por “determinação” do ex-ocupante do Palácio do Planalto.

A empreitada incluiu viagens às pressas de aliados para os Estados Unidos para recomprar presentes que, após terem sido entregues ao então presidente por autoridades árabes, foram vendidos a joalherias. Itens chegaram a ser levados no avião presidencial para serem vendidos no exterior, quando Bolsonaro deixou o país em 30 de dezembro de 2022. A investigação estima que as negociações podem ter arrecadado em torno de R$ 1 milhão.

Os agentes cumpriram na sexta mandados de busca e apreensão em endereços do general Mauro Cesar Lourena Cid, pai do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens; do advogado Frederick Wassef, que atua na defesa do ex-presidente; e Osmar Crivelatti, que ainda integra a equipe de assessores de Bolsonaro. Segundo a PF, a ofensiva para se apropriar de bens públicos driblou o setor do Palácio do Planalto responsável por catalogar os presentes dados ao presidente da República.

Um relógio Patek Philippe, entregue a Bolsonaro em 2021 pelo regime do Bahrein, não aparece nos registros oficiais, segundo a PF. Na chefia do Executivo à época, ele recebeu de Cid, em 16 de novembro daquele ano, via WhatsApp, o certificado de autenticidade do modelo, avaliado em US$ 51 mil (cerca de R$ 250 mil, na cotação atual). A investigação colheu no celular do ex-ajudante de ordens documentos que comprovam a venda da peça, em 13 de junho de 2022, para uma loja na Pensilvânia (EUA). Cid recebeu US$ 68 mil na transação — um relógio Rolex, presenteado pela Arábia Saudita em 2019, também entrou na negociação. O tenente-coronel estava nos Estados Unidos na ocasião acompanhando Bolsonaro na Cúpula das Américas.

Segundo a PF, a falta de registro indica “a possibilidade” de o relógio sequer ter passado pelo então Gabinete Adjunto de Documentação Histórica, sendo desviado diretamente para a posse do ex-presidente Jair Bolsonaro”.

A defesa do ex-presidente afirmou que ele “jamais apropriou-se ou desviou quaisquer bens públicos” e disse que a movimentação bancária está “à disposição”. A defesa de Michelle nega irregularidades e diz que os dados bancários dela também estão à disposição. Os advogados de Cid não se manifestaram. Em nota, o Exército afirmou que “não compactua com eventuais desvios de conduta de quaisquer de seus integrantes”.

Quando vieram à tona, já neste ano, informações sobre joias em posse de Bolsonaro, aliados desencadearam uma ofensiva para tentar reaver ao menos parte das peças e entregá-las ao Tribunal de Contas da União (TCU). No caso do Rolex cravejado de ouro e diamantes, Wassef foi à mesma loja americana, em 14 de março, e voltou com a peça para o Brasil. Em 2 de abril, o repassou para Cid. Dois dias depois, o item, junto com outras joias, foi devolvido por Bolsonaro.

Coube a Cid reaver outro conjunto. Em 26 de março, o militar embarcou para os Estados Unidos com o objetivo de recuperar um kit que tinha anel, abotoaduras e um rosário islâmico. Na manhã do dia seguinte, já no exterior, sacou US$ 35 mil em uma agência do Banco do Brasil e se dirigiu à joalheria em Miami onde as peças estavam expostas. O cronograma da viagem evidencia a urgência com a qual o assunto era tratado: Cid voltou para o Brasil na noite do dia seguinte ao embarque, permanecendo menos de 24 horas em solo americano. Os itens também foram devolvidos, após ordem do TCU.

Além das mensagens e documentos, como comprovantes de venda e registros bancários, a PF listou outras provas da movimentação do entorno de Bolsonaro. Quando Cid foi recuperar o kit, por exemplo, o deslocamento ficou registrado no Waze e no acesso que fez à rede wi-fi da loja. Os deslocamentos aéreos de Cid e Wassef também deixaram rastros. A investigação traz imagens do tenente-coronel quando desembarcou de volta em Brasília com as joias recuperadas. Uma das descobertas foi fruto de um descuido: ao fotografar uma peça que não chegou a ser vendida em função do baixo valor comercial, Lourena Cid mostrou o próprio reflexo na imagem, que foi enviada por WhatsApp para o filho.

Pela lei, os presentes recebidos devem ser registrados como bens de interesse público, com exceção de itens consumíveis e aqueles considerados “personalíssimos”. Em março, o TCU reforçou que itens de uso pessoal de alto valor não se enquadram nessa categoria e devem ser registrados.

A investigação indica ainda que Lourena Cid tinha consigo US$ 25 mil em espécie que seriam de Bolsonaro. Em mensagens, o ex-ajudante de ordens, filho do general, discute com outro auxiliar do ex-presidente como seria a melhor forma de entregar o dinheiro a Bolsonaro. Para Cid, o ideal seria evitar utilizar contas bancárias. “Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em ‘cash’ (dinheiro vivo) aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente. Entregaria em mãos. Quanto menos movimentação em conta, melhor né? “, disse Cid na mensagem, de 18 de janeiro deste ano, data em que Bolsonaro estava nos Estados Unidos.

Uma das suspeitas da investigação é que toda a operação envolvendo as joias tivesse como objetivo a “conversão em dinheiro em espécie para o ingresso no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”.

Em outras ocasiões, Bolsonaro já afirmou que movimentava quantias em espécie visando o pagamento de despesas pessoais, para evitar registros que pudessem comprometer sua segurança enquanto presidente da República.

Outra tentativa de venda, esta mal sucedida, envolveu um conjunto da Chopard com caneta, anel, abotoaduras e relógio. Este foi o kit recebido pelo ex-ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia), quando esteve na Arábia Saudita — as joias seriam um presente para Michelle.

A PF identificou que Cid levou os itens a uma loja de Nova York, com a expectativa de que um leilão pudesse arrecadar entre US$ 120 mil e US$ 140 mil. Foi possível definir que eram os mesmos itens presenteados em função do número de série do relógio. A iniciativa falhou por falta de compradores, e as peças foram enviadas de volta.

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