24 de novembro de 2024

Cobras não são vilãs e seu papel é fundamental para o equilíbrio da natureza

Biólogo e tutor da jiboia Nagini conta curiosidades como a demora na produção do veneno e o caso das ‘serpentes grávidas’

MARCELLA FRANO

FOLHA DE S.PAULO

SÃO PAULO – Na Bíblia, Adão e Eva estavam de boa lá no Paraíso até que a serpente ofereceu uma maçã e tudo desandou. Talvez tenha sido esse o começo da péssima imagem que as cobras têm até hoje, ou quem sabe as mordidas que nossos ancestrais levaram por descuido ao procurar comida também tenham colaborado para a fama ruim.

Mas o fato é que, de onde quer que venha essa ideia de que elas são grandes vilãs, nunca é tarde para aprender que, na verdade, as serpentes são fundamentais para o equilíbrio da natureza. “Elas prestam um papel ecológico muito grande, controlando a população de animais que causam certo dano à humanidade, seja na produção de remédios”, ensina Matheus Felipe dos Reis.

Ele é graduando em ciências biológicas na Universidade Federal de Goiás (UFG) e criador do perfil Legião Escamada nas redes sociais, voltado à divulgação científica de répteis. A ideia de Matheus é desmistificar problemas que as pessoas têm com estes animais.

Ele conta, por exemplo, que medicamentos para pressão alta só puderam ser desenvolvidos porque existe o veneno da jararaca, e que uma supercola de uso médico, substituindo os pontos cirúrgicos, está sendo criada neste exato momento a partir do veneno da cascavel.

Claro que ninguém está sugerindo que os humanos agora saiam abraçando cobras por aí —elas são animais selvagens e, quando se sentem ameaçadas, realmente tentam se defender e assim os acidentes acontecem. Mas, sabendo respeitar o espaço delas, tudo deve ficar bem. “Uma serpente vale muito mais viva do que morta, 99% do papel delas é positivo”, resume Matheus.

Ele, aliás, é o feliz tutor da jiboia Nagini, mesmo nome da serpente da história do Harry Potter. Nagini vai completar 6 anos em novembro, e está com a família desde quando ainda parecia uma minhoquinha. Na natureza, a estimativa de vida das jiboias é de 18 anos, e em cativeiro pode chegar a 30 anos.

Matheus comprou Nagini seguindo todas as regras brasileiras. Desde 1997, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) permite que cobras não peçonhentas sejam criadas como animais de estimação, desde que elas sejam adquiridas em um criadouro certificado.

Matheus Felipe dos Reis é graduando em ciências biológicas na Universidade Federal de Goiás (UFG) e criador do perfil Legião Escamada nas redes sociais. Na foto, ele está com sua jiboia Nagini
Matheus Felipe dos Reis é graduando em ciências biológicas na Universidade Federal de Goiás (UFG) e criador do perfil Legião Escamada nas re arquivo pessoal/Arquivo pessoal

Na casa de Matheus, é ele quem providencia o alimento de Nagini; em ambiente selvagem, elas mesmas têm que ir atrás do que comer. As serpentes vivem predando os animais que formam a base da cadeia alimentar, como roedores, pássaros, morcegos, peixes e até moluscos.

“Elas são mesopredadores, o que significa que tanto servem de alimento para os predadores de topo quanto consomem os que estão abaixo. Existem estudos que mostram que, se as serpentes deixassem de existir, em três meses as plantações desapareceriam, destruídas pelos animais que as cobras comem e que fazem grandes estragos nas plantas”, diz Matheus.

Serpentes podem ser comidas por gatos selvagens como o gato-mourisco, o gato-maracajá e a jaguatirica, assim como gambás e águias, por exemplo. Todos eles conseguem ingerir a presa sem que o veneno os afete porque, ao engoli-las inteiras, as glândulas que contêm a peçonha são destruídas pelo ácido do estômago do predador.

O veneno das cobras é como se fosse uma saliva modificada, ensina Matheus. “Ele tem uma função digestiva. A saliva é colocada na presa e a presa começa a ser digerida ainda fora da boca da cobra”, explica.

“Como elas são animais que não possuem membros, a evolução acabou selecionando essa característica de abater sem precisar ficar se digladiando, lutando com o animal”, diz. Já as serpentes sem peçonha têm dois métodos de caça: a ativa, indo atrás da presa (a cobra caninana é um exemplo de quem faz isso), ou o método “senta e espera”, como diz Matheus.

“A jibóia, cascavel e jararaca são assim. Elas escolhem um ponto no qual sentem o cheiro de alguma presa, daí entendem que ali é rota dele. Ficam esperando até o animal passar e pronto.”

Ele conta também do caso das sucuris, as maiores serpentes do Brasil. Elas pegam a presa, enrolam seu corpo musculoso nela e impedem a circulação do oxigênio que vai para o cérebro. Esperam que a presa desmaie e então engolem o animal.

E por falar em barriga de cobra, Matheus também ensina que existem as ovíparas, que colocam seus ovos (algo entre três e 16) e os abandonam logo depois de chocá-los, e as vivíparas, que ficam “grávidas” de até 80 filhotes.

“Cerca de 80% dos acidentes com cobras acontecem quando as pessoas estão em trilhas, sítios etc, e andam distraídas sem olhar onde pisam. O restante é de pessoas que são mordidas nas mãos porque estão trabalhando sem luvas no mato, ou em trilhas e se apoiam em pedras”, diz Matheus.

Ainda assim, ele explica que a taxa de mortalidade por acidentes com cobras é baixa. “Não é picou e morreu. No geral, a maioria das pessoas consegue chegar a um posto ou hospital com soro antiofídico e sair sem sequelas”, diz.

E não ache que a cobra ganha alguma coisa ao morder uma pessoa. Depois de “usar” seu veneno em um bote, ela vai demorar cerca de 40 dias para produzir mais, o que pode causar problemas na sua rotina de alimentação.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto como este é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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