26 de dezembro de 2024

Moradores de vila em Essequibo rejeitam ocupação da Venezuela

População do extremo oeste da Guiana teme guerra e sofre com alta nos preços após cobranças de Caracas na fronteira

Morador da vila guianense de Arau, na fronteira com a Venezuela, posa ao lado de uma foto do presidente de seu país Irfaan Ali – Roberto Cisneros – 10.dez.2023/AFP

PATRICK FORT

FOLHA DE S.PAULO

ARAU (GUIANA) | AFP

No topo da imensa formação rochosa conhecida como Tepui Pakaramba, no extremo oeste da Guiana, balança uma bandeira desse país sul-americano. A seus pés está o pequeno povoado de Arau, onde os moradores afirmam ser guianenses, não venezuelanos, em meio a uma reivindicação centenária sobre o território rico em petróleo de Essequibo, no qual estão localizados.

“Isto é Guiana”, diz à agência de notícias AFP Jacklyn Peters, uma enfermeira de 39 anos e mãe de seis filhos que mora no povoado, a dez quilômetros da fronteira com a Venezuela. “Nesta montanha está a nossa bandeira. Todo dia olhamos para ela e nos sentimos felizes e orgulhosos. Foi o próprio presidente que a colocou ali para mostrar que todos pertencemos à Guiana.”

O cenário da cidade onde vivem cerca de 280 pessoas é formado por casas de madeira sobre palafitas, cajueiros e redes por toda parte —em uma delas, um pai dorme com a filha; em outra, quatro crianças brincam com celulares. Há ainda uma igreja adventista branca, sem esculturas ou pinturas, e uma escola com a bandeira da Guiana a meio mastro, em sinal de respeito pela morte de cinco soldados em um acidente de helicóptero no início do mês.

“Temos medo, estamos aterrorizados. (…) Não queremos guerra, aqui há crianças, mulheres grávidas”, diz a enfermeira. A disputa por Essequibo, que estava adormecida nas últimas décadas, ressurgiu em 2015, quando o gigante energético ExxonMobil divulgou a descoberta de bilhões de barris de petróleo nas águas desse território. Cerca de 125 mil pessoas —um quinto da população do país— vivem na região, que cobre dois terços da área da Guiana.

As duas nações vêm elevando o tom nas últimas semanas, desde que a Venezuela realizou um polêmico plebiscito para consultar a população sobre a anexação do território. Na semana passada, o ditador venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou que seu país daria permissão para que a petroleira estatal explorasse a região. A situação gerou receios de uma escalada para um conflito armado, algo que ambos os países negam.

“Aqui é a terra dos Akawaio, antes da chegada dos espanhóis, desde tempos imemoriais. Para nós, não há fronteiras, mas agora, com a política, existe”, diz Thomas Devroy, ex-líder da comunidade. “Damos as boas-vindas aos venezuelanos, somos irmãos dos dois lados da fronteira. Estamos tristes por eles, porque estão fugindo do seu país. Mas não queremos Maduro, a corrupção, a pobreza. Como ele pode pretender governar aqui?”, questiona ele.

A crise econômica e política da Venezuela já fez quase sete milhões de venezuelanos deixaram o país —milhares deles com destino à Guiana. Muitos trabalham minerando ouro, uma das principais atividades da região, ao lado da agricultura de subsistência.

O sentimento geral de pertencimento à Guiana não impede que moradores da região tenham críticas à atual gestão. Lindon Cheong, um descendente de chineses de 53 anos que chegou ao território há 17 anos, afirma que o governo abandonou Essequibo.

“Para onde vai o dinheiro?”, questiona, ressaltando que o ouro está se tornando escasso. “Ontem eu mal fiz meio litro de ouro em oito horas de trabalho. São 1.000 dólares guianenses (R$ 23,36)”, diz o homem, que se orgulha de sua casa, construída pelas suas próprias mãos, segundo ele.

Em setembro, os militares venezuelanos passaram a cobrar de barcos que abastecem a cidade por meio do rio Cuyuni, fazendo os preços dispararem. Uma garrafa de Coca-Cola, por exemplo, custa US$ 10 dólares (R$ 49,15), e a gasolina passou de US$ 10 por cinco galões (19 litros) para 350 (R$ 1.720).

“Estamos lutando para viver”, diz Cheong, que também instalou uma bandeira da Guiana em seu jardim. “Maduro pode fazer o que quiser, mas aqui está a bandeira da Guiana. A da Venezuela nunca balançará em Arau.”

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