13 de outubro de 2024

Por que a economia da Rússia cresce mais que a do G7 apesar da guerra na Ucrânia

Reorganização da indústria russa para o esforço militar ajuda a explicar números positivos, mas analistas questionam se cenário é sustentável

Vladimir Putin
Putin disse recentemente que a Rússia é a economia que mais cresce na Europa – Reuters

FAISAL ISLAM

LONDRES/BBC NEWS MUNDO – Era março de 2022. O rublo russo entrou em colapso e o valor das gigantes russas Gazprom e Sberbank em Londres desabou 97%.

Longas filas começaram a se formar nos caixas eletrônicos de Moscou. Em países ocidentais, oligarcas tiveram seus iates, times de futebol, mansões e até cartões de crédito confiscados. A Rússia entrou em uma grande recessão.

Esse foi o resultado imediato da tentativa mais agressiva do Ocidente de conter financeiramente a Rússia após a invasão da Ucrânia, através de embargos econômicos.

Entre as medidas mais importantes estavam o confisco dos ativos oficiais em moeda estrangeira do Estado russo e o congelamento inédito das reservas do banco central de US$ 300 bilhões.

Os governos ocidentais evitaram usar frases como “guerra econômica”, mas certamente havia uma espécie de batalha financeira contra o Kremlin. Esse tipo de confronto era uma alternativa melhor do que o conflito direto entre Estados nucleares.

Quase dois anos se passaram e uma grande mudança ocorreu neste contexto econômico.

Em uma longa e incoerente entrevista esta semana, o presidente russo, Vladimir Putin, gabou-se de que a Rússia é a economia que mais cresce na Europa.

Na semana passada, o FMI (Fundo Monetário Internacional) destacou a pujança da economia russa ao aumentar a sua previsão de crescimento do país neste ano de 1,1% para 2,6%.

De acordo com dados do FMI, a economia russa cresceu mais rapidamente do que todo o G7 no ano passado e seguirá assim em 2024.

Logo da Gazprom
Em março de 2022, o valor das gigantes Gazprom e Sberbank caiu 97% na bolsa de Londres – Getty Images

Não se trata apenas de números.

O impasse na Ucrânia e a expectativa crescente de um conflito longo foram sustentados pela remobilização da economia russa para o esforço militar, especialmente na construção de frentes defensivas no leste e no sul da Ucrânia.

A RÚSSIA CONSEGUIRÁ SUSTENTAR ESSE CRESCIMENTO?

Os líderes ocidentais dizem que este modelo é completamente insustentável a médio prazo. Mas a questão é: por quanto tempo ele pode ser sustentado?

A Rússia se transformou em uma economia de guerra mobilizada. O estado russo está gastando quantias recordes na era pós-União Soviética.

As despesas militares e de segurança, que representam até 40% do orçamento, voltaram aos mesmos níveis do final da URSS. Outras áreas do orçamento estatal destinada a serviços à população foram reduzidas para compensar o financiamento para a produção de tanques, sistemas de mísseis e defesas na Ucrânia ocupada.

Além disso, e apesar dos embargos ocidentais ao petróleo e ao gás russos, os fluxos de receitas dos hidrocarbonetos continuaram fluindo para os cofres do Estado russo.

Os petroleiros russos agora seguem para a Índia e a China, e a maior parte dos pagamentos são feitos em yuan chinês, e não em dólares americanos.

Homem mexe em instalação de gás na Rússia
Apesar dos embargos ocidentais, o fluxo de receitas de energia continua chegando aos cofres do Estado russo – Getty Images

A produção de petróleo da Rússia segue em 9,5 milhões de barris por dia, ligeiramente inferior ao nível anterior à guerra.

O país contornou as sanções comprando e mobilizando uma “frota paralela” de centenas de navios petroleiros.

Na semana passada, o Ministério da Economia russo anunciou que a receita dos impostos sobre hidrocarbonetos em janeiro excederam os níveis observados em janeiro de 2022, pouco antes da invasão da Ucrânia.

O fluxo contínuo de moeda estrangeira para o petróleo, o gás e os diamantes russos também ajudou a aliviar a tensão sobre o valor do rublo.Homem ferido examina seu carro destruído no lado de fora de um prédio residencial, no centro de Kharkiv

Homem ferido examina seu carro destruído no lado de fora de um prédio residencial, no centro de Kharkiv  _ Sergey Bobok – 2.jan.2024/AFP

Líderes ocidentais insistem que esta situação não é sustentável, mas reconhecem o sucesso atual da Rússia.

Um líder mundial disse recentemente em uma conversa privada: “2024 será muito mais positivo para Putin do que nós pensávamos. Ele conseguiu reorganizar a sua própria indústria de forma mais eficiente do que pensávamos.”

RÚSSIA EXPOSTA

Mas este modelo de crescimento econômico aumentou em muito a dependência de Moscou nas receitas do petróleo, da China e dos gastos de guerra.

Quando a demanda por petróleo e gás atingir o seu pico e a produção concorrente do Golfo Pérsico aumentar no próximo ano, a economia da Rússia ficará exposta a problemas.

Os aumentos verificados no PIB (Produto Interno Bruto) resultantes da produção de equipamentos de guerra também estão longe de ser produtivos.

Tanque russo
As despesas militares e de segurança da Rússia representam até 40% do seu orçamento – Reuters

E a Rússia sofreu uma fuga de cérebros com a guerra.

A estratégia ocidental não tem sido a de atacar diretamente a economia russa, mas a de criar uma espécie de jogo de “gato e rato”, tentando restringir o seu acesso à tecnologia, aumentar os seus custos, limitar as suas receitas e tornar o conflito insustentável no longo prazo.

“Nós preferimos que a Rússia use o seu dinheiro para comprar petroleiros do que tanques”, me disse uma autoridade dos EUA. No mercado petrolífero, o objetivo político não é tentar impedir a Índia, por exemplo, de comprar petróleo russo, mas limitar os lucros desse comércio, para que eles não alimentem a máquina de guerra do Kremlin.

ATIVOS CONGELADOS

Agora a atenção agora está voltada para o papel central dos ativos financeiros russos congelados.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, me disse no mês passado: “Se o mundo tem US$ 300 bilhões (em ativos russos congelados), porque não usá-los?”. Todos esses fundos congelados deveriam ser usados para financiar os esforços de reconstrução da Ucrânia, disse ele.

Os ministros da Economia do Reino Unido, Jeremy Hunt, e das Relações Exteriores, David Cameron, apoiam essa ideia.

Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrania
O presidente ucraniano quer usar os ativos russos congelados para ajudar o seu país a se reconstruir – Getty Images

Cameron me disse: “Nós congelamos esses ativos. A questão é: nós vamos usá-los?”

Cameron disse que “usar parte deste dinheiro agora seria um adiantamento de reparações (russas)” pela invasão ilegal da Ucrânia, e poderia ser usado “para ajudar a Ucrânia e, ao mesmo tempo, poupar o dinheiro dos contribuintes ocidentais”.

O G7 pediu aos presidentes dos seus bancos centrais que preparem uma análise técnica e jurídica sobre o assunto.

Uma fonte no mercado financeiro me disse que há riscos de transformar o dólar em uma espécie de arma.

Um plano em discussão prevê o uso de fundos de investimento para angariar bilhões de dólares para a Ucrânia.

Mas tudo é muito delicado. Se os ativos russos forem confiscados desta forma, que mensagem seria passada a outras nações, talvez no Golfo, na Ásia Central ou na África, sobre a segurança das suas reservas nos bancos centrais ocidentais? Estas relações são centrais no sistema financeiro global.

Texto publicado originalmente aqui.

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