“Não há saúde sem saúde mental. Não há saúde sem direitos humanos”
No Dia da Luta Antimanicomial, Professora do CEUB comenta nova resolução que promete ser um marco para superar o ultrapassado modelo de internação
18 de maio marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial no Brasil, movimento iniciado no final dos anos 1970 contra a exclusão e o desrespeito à dignidade humana das pessoas com sofrimento mental. Desde então, entre avanços e recuos, a internação deixou de ser o único tratamento para transtorno e sofrimento mental e os hospitais psiquiátricos deram lugar à rede de atenção psicossocial, com diferentes serviços e profissionais, que se juntaram aos médicos na oferta de cuidados em saúde mental.
“A histórica invisibilidade, o preconceito, a falta de reconhecimento de direitos e acesso a políticas públicas, levou à indignação, denúncia, mobilização, organização em coletivos, busca por tratamento igualitário perante a lei e respeito à diferença”, comenta Luciana. Esse esforço foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde em 2021, que toma a Política Nacional de Saúde Mental como modelo de sucesso e cita como exemplo de “serviço de boas práticas, que promovem direitos e recuperação” equipamentos comunitários brasileiros, como o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS III) de Brasilândia.
A legislação brasileira tradicionalmente dialogava com o campo da saúde mental por meio da medida de segurança de internação, cumprida em “Manicômios Judiciários” – atualmente denominados Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, que é a sanção penal aplicada à pessoa com sofrimento mental que praticou crime durante uma crise e da incapacidade e da interdição, na área cível. Nas últimas décadas foram criadas normas como a Lei 10.216/2001, conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, que reconhece as pessoas com sofrimento psíquico e assegura-lhes direitos. A Convenção e o Estatuto da Pessoa com Deficiência também modificaram o código civil em relação à incapacidade e à curatela, introduzindo a Tomada de Decisão Apoiada (TDA), para garantir ou preservar a autonomia e os direitos das pessoas com deficiência e sofrimento psíquico.
Em fevereiro deste ano o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu, por meio da Resolução 487, a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, que estabelece diretrizes para implementar a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, no âmbito do processo penal e da execução das medidas de segurança. De acordo com Luciana, trata-se de um instrumento importante no sentido da desinstitucionalização dessa população e dos Direitos Humanos, presentes na legislação brasileira e condizentes com o Direito Internacional.
Acompanhando o posicionamento do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, a professora do CEUB defende a efetiva implementação da Resolução do CNJ. “A principal preocupação em torno dessa política pública seria uma insuficiência do cuidado em equipamentos extra-hospitalares, em virtude de uma equiparação entre internar e tratar, muitas vezes fomentada por desconhecimento, preconceito ou interesse econômico. O sucesso dessa iniciativa demanda um esforço interinstitucional e intersetorial integrado, que ofereça os recursos e as ferramentas necessárias para que essa mudança ocorra, de fato, na ponta”.
A especialista chama atenção para o papel central do Judiciário: “Não há saúde sem saúde mental. Não há saúde sem direitos humanos. Cabe aos magistrados contribuir para a inclusão e a concretização de direitos amplamente garantidos por normas internacionais e brasileiras e a punição daqueles que violam direitos de pessoas com sofrimento psíquico, tais como o de não ser discriminado, o direito de não ser torturado; o direito de não ter sua autonomia e sua liberdade cerceados, o direito ao trabalho e à moradia, além de fazer cumprir a Política Nacional de Saúde Mental e a recém criada Política Antimanicomial do Poder Judiciário”, conclui Luciana Musse.