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Delegadas do caso Brennand são suspeitas de terem favorecido empresário em investigações

Responsáveis por inquéritos viram ‘violação à honra’ de homem acusado por crimes contra mulheres e descreditaram vítimas e MP. Delegada foi indicada como testemunha de defesa.

Foto: Reprodução

Duas delegadas que atuaram em casos envolvendo Thiago Brennand, preso na semana passada sob acusações de crimes como estupro, sequestro e tortura, são investigadas por suspeita de terem favorecido o empresário. Ambas são alvo de processos administrativos na Corregedoria da Polícia Civil de São Paulo e uma delas responde também a uma ação que tramita em segredo no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

A delegada Nuris Pegoretti, de Porto Feliz (SP), atuou nas investigações a respeito de uma atriz que disse ter sido mantida em cárcere privado na casa do empresário num condomínio de luxo na cidade do interior paulista, em agosto de 2021. Segundo essa mulher, ela sofreu agressões no local, teve um vídeo íntimo divulgado sem sua autorização e foi obrigada a tatuar na costela as iniciais do nome de Thiago Brennand.

O relatório final do inquérito foi concluído em junho do ano passado, quando a delegada Pegoretti recomendou o arquivamento do caso e a instauração de uma nova investigação, desta vez contra a mulher que acusava Brennand, por crime de denunciação caluniosa. Essa investigação foi remetida para Pernambuco, estado onde a denúncia havia sido feita.

Pegoretti considerou que a mulher que acusou Brennand “tem conduta recorrente no sentido de acusar seus namorados e affairs de toda sorte de impropérios, sobretudo de crimes sexuais”. Sobre o empresário, a delegada destacou que ele é um “indivíduo sem antecedentes” e que, apesar de manter “vasta coleção de armas de fogo de toda sorte de calibres”, jamais “respondeu a um só processo na vida contendo uso de arma de fogo”.

Pegoretti continuou. Disse que Brennand é um “indivíduo de porte agigantado” e “faixa preta de jiu jitsu há mais de duas décadas”, e que, no entanto, “não se encontrou qualquer registro de violência relevante em sua vida”.

Ao GLOBO, pessoas que acompanharam o caso disseram que a manifestação da delegada foi “incomum”, e que seu relatório destoou de outros produzidos por ela. O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) moveu ação contra Nuris Pegoretti em dezembro do ano passado para que seja investigada possível crime de corrupção durante a condução do caso Brennand. O processo corre em sigilo na Justiça e está em fase de investigação.

A apuração sobre possíveis crimes de constrangimento ilegal, cárcere privado, estupro e tortura cometidos por Brennand foi desarquivada em 9 de setembro do ano passado, dias após o Fantástico, da TV Globo, exibir reportagem com o relato da mulher.

‘Absurdo jurídico’
A outra delegada suspeita de ter favorecido o empresário é Maria Aparecida Corsato, do 27° Distrito Policial (DP) do Campo Belo. Ela foi responsável por dois inquéritos em que Thiago Brennand aparece como suposta vítima. No primeiro, registrado pelo empresário em 4 de maio do ano passado, Brennand disse ser alvo de difamação por parte de uma prostituta e de um ex-amigo que teriam se aliado para espalhar informações falsas a seu respeito — dentre elas, a de que ele teria estuprado a mulher que o denunciou em Pernambuco.

O inquérito apresenta conversas entre Brennand e a mulher acusada por ele em mensagens, áudios e ligações telefônicas. A promotora que atuou no caso, Daniela Moysés da Silveira Fávaro, recomendou o arquivamento do inquérito, considerando que Brennand apresentou uma “situação totalmente forçada” e que tentou, com as mensagens, “demonstrar eventual extorsão, sem, contudo, lograr êxito”. A Justiça atendeu à recomendação em 30 de maio de 2022.

Duas semanas depois, em 14 de junho, Maria Aparecida Corsato enviou à Justiça uma representação de dez páginas pelo desarquivamento do inquérito. Disse que a manifestação do MP-SP havia sido “equivocada” e “precipitada”, e que tinha “indícios suficientes a sustentar um inquérito policial para investigar crimes contra a honra de Thiago, pois foram violadas tanto a honra objetiva quanto a subjetiva”.

A Promotoria, de novo, defendeu que o processo fosse mantido arquivado, reforçando que as provas apresentadas por Brennand estavam “viciadas”. O empresário enviou e-mail intimidador à promotora Daniela no dia seguinte, dizendo ser vítima do “maior absurdo jurídico” que já viu. Passado um dia, a delegada do 27° DP voltou a rebater o MP-SP. Disse que não havia apresentado provas, mas sim “dados informativos” que justificavam a existência da investigação. Mais uma vez, a Justiça optou por manter o inquérito arquivado, em 1° de julho.

Àquela altura, Maria Corsato já atuava em outro caso envolvendo Brennand. Uma mulher que frequentava a mesma academia que o empresário — e onde posteriormente ele viria a agredir a modelo Helena Gomes — registrou boletim de ocorrência em 24 de maio relatando que Brennand continuou a enviar mensagens a ela mesmo após ela ter dito que era comprometida. A mulher contou à polícia que soube de outras alunas da academia que o empresário enfrentava processos por agressão, por isso decidiu registrar o B.O.

Brennand então registrou um novo boletim de ocorrência em 6 de junho. O caso caiu nas mãos da delegada Maria Corsato, que disse ter identificado indícios de difamação cometida pela mulher que havia denunciado o empresário.

Testemunha de defesa
Em 16 de setembro, a delegada pediu à Justiça que as provas colhidas na investigação que havia sido arquivada pudessem ser aproveitadas no inquérito sobre essa suposta difamação. Ao longo de 15 páginas, Maria Corsato reproduziu reportagens para comparar o caso do empresário ao da Escola Base (em que educadores foram injustamente acusados de abusar sexualmente de crianças).

Brennand, à época, já havia viajado para o Oriente Médio — onde foi preso na semana passada e aguarda extradição para o Brasil. Ainda assim, a delegada disse que mantinha contato constante com o empresário, que demonstrava “interesse no resgate de sua reputação”.

Maria Corsato também disse ver “pontos de contato” entre as duas investigações que conduziu e a da agressão à modelo numa academia de luxo, ocorrida em 3 de agosto.

Vários trechos dessa representação da delegada foram usados pela defesa de Brennand no caso da agressão. Os advogados do empresário alegaram que esse inquérito deveria também ter sido conduzido pelo 27° DP, de Maria Corsato, e não pelo 15° DP, no Itaim Bibi, bairro onde o episódio aconteceu. No mesmo pedido, a equipe jurídica de Brennand indicou a própria delegada como testemunha de defesa.

— Para o Brennand, a melhor forma de defesa é o ataque. Ele fez isso antes das acusações que ele sabia que iriam surgir. Houve, em Porto Feliz e em São Paulo, condutas incompatíveis com a de uma autoridade policial — disse ao GLOBO uma pessoa familiarizada com os processos envolvendo o empresário.

A delegada Maria Corsato negou ter favorecido Brennand e se disse “surpresa” com o fato de ter sido indicada como testemunha da defesa. Afirmou que a apuração instaurada contra ela na corregedoria teve origem em um pedido de complementação feito por ela ao MP-SP, que, segundo ela, havia enviado uma “manifestação incompleta”.

— Não houve nenhum favorecimento ao Thiago Brennand nos inquéritos que presidi. Ele foi tratado como qualquer outra pessoa, as investigações que o envolveram tiveram o mesmo tratamento que as outras duzentas que tenho em meu cartório. Tudo foi feito de acordo com o previsto no Código Penal e no Código de Processo Penal. Não é incomum o delegado de polícia pedir desarquivamento de uma investigação — disse.

Em nota, a Polícia Civil de São Paulo confirmou a existência dos processos administrativos contra as delegadas e declarou que os procedimentos tramitam sob sigilo na corregedoria do órgão. A Polícia Civil de Pernambuco informou que não foi notificada oficialmente sobre a necessidade de instaurar inquérito contra a atriz que denunciou Brennand.

O GLOBO tentou contato por telefone com Nuris Pegoretti, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

** Com informações do jornal O Globo

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