OS PORCOS NA LAMA – Na CPMI, extrema direita pretende criar versão “terraplanista” do golpe
Publicado em 21/04/2023 11:15 – (DSM) Victor Barone (Semana On), Ricardo Noblat e Samara Schwingel (Metrópoles), Lucas Neiva (Congresso em Foco), Cristiane Sampaio e Felipe Mendes (Brasil de Fato), André Richter (Agência Brasil), Ivan Longo (Fórum) – Edição Semana On
Victor Barone – Midjourney
A extrema direita brasileira vai chafurdar como porco gordo na lama que deve se espalhar por Brasília na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que deve ser instalada na semana que vem no Congresso Nacional. A CPMI, proposta pela oposição, quer subverter a realidade e colocar no colo do presidente Lula a culpa pelos atos golpistas perpetrados por terroristas bolsonaristas no último dia 8 de janeiro.
Mas, quem tem maior poder de fogo para controlar a CPMI do Golpe? A oposição bolsonarista ao governo? Ou o governo? A princípio, o maior poder de fogo é sempre do governo, de qualquer governo, desde que saiba usá-lo.
Mas isso só não basta. Bolsonaro usou seu poder para impedir a criação da CPI da Covid, e não adiantou. Usou-o para não se desgastar, e não conseguiu. Não foi apenas por incompetência: sua causa era ruim. Ele errou escandalosamente no combate ao vírus.
A causa do governo Lula é muito boa para ele, e a da oposição infeliz para ela. O golpe era para derrubar um presidente eleito. A oposição quer culpar o governo por um golpe que, se bem-sucedido, daria espaço a uma ditadura.
Tarefa absurda, essa, difícil de chegar a bom porto. CPI totalmente dispensável, essa, uma vez que o golpe vem sendo investigado à exaustão por todos os órgãos e instâncias aos quais cabe investigá-lo. Os resultados estão à vista de quem não é cego.
Se o governo contar com a maioria dos votos na CPI, com certeza ela se voltará contra parte da oposição que instigou, financiou e apoiou o golpe, e que agora finge ser inocente e tão somente interessada em que tudo seja esclarecido. Bons moços!
Que tal chamar para depor o ex-presidente Bolsonaro e seu filho Carlos? Como não? Bolsonaro foi quem mais tentou desacreditar o processo eleitoral. Fê-lo mesmo depois de o Congresso ter rejeitado a proposta de restabelecer o voto impresso.
Carlos comandou o Gabinete do Ódio de dentro do Palácio do Planalto, disseminando notícias falsas em benefício do pai. É a voz do dono e, às vezes, o dono da voz. Não é de graça que pai e filho respondem ao inquérito sobre atos hostis à democracia.
O general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência, seria um prato cheio de histórias a ser convocado pela CPI. Haveria muito o que lhe perguntar. Assim como ao ex-comandante do Exército, o general Júlio César Arruda.
E Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, preso há quase 100 dias? Mandou mapear as áreas onde Lula fora mais votado no primeiro turno da eleição. No dia do segundo, a Polícia Rodoviária Federal bloqueou a chegada às urnas de eleitores de Lula.
Na casa de Torres, a Polícia Federal apreendeu uma minuta do golpe. Ele disse que a recebeu de sua secretária; a secretária negou. Deprimido, 12 quilos mais magro, ele entregou à polícia a senha do celular que diz ter perdido em viagem aos Estados Unidos.
O canário começou a cantar. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, negou o pedido da defesa de Torres para libertá-lo. Se ele de fato está disposto a colaborar com a Justiça, a CPI vai querer ouvi-lo, e, por meio dela, o país. Torres sabe muito ou quase tudo.
Bolsonaro passou quatro anos atravessando a rua para pisar numa casca de banana. Ou se preferirem: com boa mira, passou quatro anos atirando no próprio pé. Fez escola. Bravo! Natural que seus seguidores fiéis e sem imaginação façam a mesma coisa.
Governo reivindica presidência da CPMI dos atos golpistas
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), em nome da bancada governista no Congresso Nacional, anunciou que o governo já articula para ocupar as funções de presidente e relator da CPMI dos atos golpistas com quadros de partidos aliados. O partido entende que esse é o caminho natural na formação do colegiado, tendo em vista a posição majoritária no Legislativo e o perfil do autor do requerimento, André Fernandes (PL-CE).
Tradicionalmente, proponentes da instauração de CPMI ou CPI ganham preferência na construção do acordo dos membros que compõem sua Mesa Diretora. Foi o caso, por exemplo, de Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que assumiu o papel de vice-presidente da CPI da covid-19 por ter sido autor de seu requerimento. A oposição, ao longo da coleta de assinaturas para a criação da CPMI, reivindicou o mesmo tratamento para Fernandes.
“Nos incomodou muito essa narrativa deles de que vão estar na frente da CPI. Estamos estudando todas as medidas para que esse André Fernandes não participe desta CPMI, ou que participe como investigado”, declarou Farias. O deputado e vice-líder do governo relembra que Fernandes é réu em inquérito que corre no Supremo Tribunal Federal (STF) por conta de suas publicações nas redes sociais não apenas de convocação para os atos de 8 de janeiro, como também debochando da depredação no prédio principal da suprema corte.
Descartada a possibilidade de acordo com o PL, Farias conta que o governo espera uma ocupação natural da coordenação do colegiado. “Há uma maioria do governo, a presidência vai ser do bloco governista. O relator também. (…) Nós temos nossos cálculos, são blocos partidários. Mas de 16 senadores, ao menos 11 serão do bloco governista. Na Câmara, também temos números. (…) Pela nossa contabilidade, mesmo com subdivisões dentro dos blocos, teremos uma maioria governista de nove a 10 deputados”, apontou.
Dentro da CPMI, a estratégia trabalhada pelo governo é de indicar quadros que atuarão de forma exclusiva nas investigações, formando juntos uma “tropa de choque” governista. O núcleo dessa equipe será o antigo G7, como ficou conhecido o grupo majoritário na pandemia da covid-19. “Nós vamos com muita energia para essa CPMI. Estamos separando os melhores quadros para estar lá. No Senado, já temos uma turma com Renan Calheiros, Randolfe Rodrigues, Humberto Costa, Omar Aziz. Vamos preparar os melhores”, disse.
Independente de quem estiver na chefia do colegiado, Farias afirma que a prioridade do governo no primeiro momento será convocar o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, para depor sobre as suspeitas de conspiração junto ao ex-comandante militar do Planalto, general Gustavo Dutra, em favor dos manifestantes que provocaram as invasões.
Para Farias, a iniciativa de criação da CPMI foi uma estratégia da oposição para obter visibilidade e procurar caminhos para construção de uma narrativa de prevaricação do governo, mas que tende a repercutir no sentido oposto. “Foi um tiro no pé. Para a narrativa deles, nas redes sociais, essa história pode colar pro pessoal deles. Mas com a instalação da CPMI, a gente vai aprofundar, vai pegar os financiadores e vamos atrás dos autores intelectuais”, garantiu.
Diante da iminência de instalação da CPMI, o Palácio do Planalto estuda nomes para comporem o colegiado e cuidarem da defesa da gestão. São cogitados senadores que atuaram na CPI da Covid durante a pandemia e parlamentares que se sobressaem na tropa do governo no Congresso. É o caso dos senadores Randolfe Rodrigues, Eliziane Gama (PSD-MA) e Humberto Costa (PT-PE) e dos deputados Lindbergh Farias, Rogério Correia (PT-MG), Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Orlando Silva (PCdoB-SP).
“O governo precisa tentar fazer tanto a presidência quanto a relatoria porque, se ele não colocar alguém da sua confiança principalmente nesses postos, pode ser que em algum momento perca poder”, sublinha o cientista político Enrico Ribeiro. Com relação à composição geral, Danilo Morais observa que governos de coalizão costumam reunir maioria nos colegiados do Congresso Nacional, inclusive em CPIs.
“Só que talvez o governo não tenha a oportunidade de escolher os nomes que vão efetivamente compor a CPMI, porque essa é uma decisão dos líderes partidários, portanto, o entrosamento do governo vai ter que se dar muito mais com as lideranças partidárias do que com os parlamentares que são mais ou menos simpáticos à sua agenda. A iniciativa está acertada, mas ela depende de um ajuste com as lideranças partidárias e depende sobretudo de um ajuste na coalizão governista, que tem mostrado até aqui bastante debilidade”, pondera.
Outras visões
O pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Danilo Morais observa, no entanto, que a demora dos governistas em aceitarem a criação da CPI trouxe problemas para a gestão Lula.
“O retardamento teve como consequência mais prática alimentar a narrativa bolsonarista de que a invasão às sedes dos três Poderes seria uma iniciativa do próprio governo pra se vitimizar e se fortalecer e, ao mesmo tempo, emparedar a oposição, o que não faz nenhum sentido, já que os ataques manifestadamente partiram dos opositores do atual governo. Portanto, esse retardamento serviu de alguma maneira pra conferir substância a essa narrativa completamente fantasiosa”, analisa o pesquisador, que também é mestre em Poder Legislativo pelo Cefor, o programa de pós-graduação da Câmara dos Deputados.
“Aquilo que era inconveniente para o governo antes, depois da divulgação das imagens, tornou-se imperativo, ou seja, vai ter que se fazer [a CPMI], inclusive para tentar desfazer essa impressão que ficou, a partir das imagens, de que tinha gente do governo de algum modo envolvido nisso”, comenta o analista político Antônio Augusto de Queiroz (Toninho), ex-diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Se por um lado a CPMI pode ajudar o governo a pelo menos enfraquecer a narrativa bolsonarista de que a administração Lula seria responsável pelos estragos do 8 de janeiro, por outro o Palácio do Planalto pode enfrentar embaraço no desenrolar da sua agenda de governo por conta da energia a ser gasta na futura comissão. Em geral, CPIs atraem muitos holofotes e acabam dando palanque para personagens de oposição que podem complicar a vida do governo de plantão.
“É muito ruim para um governo que acabou de começar e acabou de completar cem dias já ter que enfrentar uma CPMI, então, eu acho que isso tem potencial pra desgastar bastante o governo, e aí pautas como a reforma tributária, por exemplo, podem acabar ficando pra votação posterior. Votação de projetos de lei e acordos voltados para votação de medidas provisórias também podem eventualmente ser prejudicados nesse processo”, projeta Ribeiro.
Já em outra linha de raciocínio, o ex-diretor do Diap calcula que a CPMI pode também trazer algum favorecimento para o governo. Ele acredita que o jogo no âmbito do colegiado pode distrair os parlamentares mais extremistas e deixar os espaços de formulação de políticas públicas mais livres para a atuação da gestão Lula e sua agenda.
“Talvez seja até bom que os radicais bolsonaristas se concentrem na CPI e parem de atrapalhar a agenda legislativa que interessa ao país. Então, ao contrário de atrapalhar, porque são espaços distintos, pode até facilitar a vida do governo, porque vai tratar do tema e do conteúdo das políticas públicas somente quem quer tratar de conteúdo de política pública, enquanto aqueles que quiserem fazer luta política vão se dedicar mais à CPMI. Acredito que a pauta que interessa ao país vai andar de qualquer maneira, tendo ou não cobertura midiática”, avalia.
Bolsonaro vai depor à PF às vésperas de possível declaração de inelegibilidade
Em meio à discussão sobre a instalação da CPMI, o ex-presidente Jair Bolsonaro prestará depoimento à Polícia Federal (PF), na condição de investigado, para tratar do tema.
A corporação marcou, a pedido do ministro Alexandre de Moraes, do STF, uma oitiva com o ex-mandatário na próxima quarta-feira (26). O depoimento será realizado na sede da PF em Brasília.
Bolsonaro é investigado como “mentor intelectual” dos atos golpistas, isto é, ele estaria entre as pessoas que incentivaram o levante antidemocrático que culminou na invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília. Uma das evidências – entre inúmeras outras – dos investigadores que ligaria o ex-mandatário diretamente ao movimento golpista é uma postagem feita pelo ex-mandatário no dia 11 de janeiro, isto é, 3 dias depois da tentativa de golpe, em que questiona, sem apresentar provas, o sistema eleitoral brasileiro.
O depoimento, além de estar marcado para a semana em que deve ser instalada a CPMI do 8 de janeiro no Congresso Nacional, ocorrerá às vésperas do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode tornar Bolsonaro inelegível.
STF julga na próxima semana mais 200 investigados por atos golpistas
O STF começa a julgar na próxima semana denúncias contra mais 200 envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro deste ano.
O julgamento virtual será iniciado na terça-feira (25), sendo finalizado no dia 2 de maio. Na modalidade virtual, os ministros depositam os votos de forma eletrônica e não há deliberação presencial.
Na segunda-feira (24), será encerrado o julgamento dos primeiros 100 denunciados. Até o momento, há maioria de seis dos 11 ministros da Corte para torná-los réus no processo.
No total, mais de 1,3 mil pessoas que participaram dos atos foram denunciadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao STF.
Se a maioria dos ministros aceitar as denúncias, os acusados passam a responder a uma ação penal e se tornam réus. Em seguida, o ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos, deverá analisar a manutenção da prisão dos acusados.
Conforme levantamento do STF, das 1,4 mil pessoas presas no dia dos ataques, 294 (86 mulheres e 208 homens) permanecem no sistema penitenciário do Distrito Federal.
Os demais foram soltos por não representarem mais riscos à sociedade e às investigações.
Anderson Torres é intimado a prestar novo depoimento à PF
O ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres deve prestar novo depoimento à Polícia Federal. A determinação foi de Alexandre de Moraes. Segundo a determinação, Torres deverá comparecer à sede da PF na próxima segunda-feira (24/4), às 14h.
“Determino a oitiva de Anderson Gustavo Torres, no dia 24/4/2023, às 14:00 horas, na sede da Polícia Federal, em Brasília/DF, na condição de declarante, assegurado o direito ao silêncio e a garantia de não autoincriminação, se instado a responder a perguntas cujas respostas possam resultar em seu prejuízo”, escreveu o ministro.
Torres está preso no 4º Batalhão da Polícia Militar, no Guará, desde que voltou ao Brasil, há 97 dias. Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se favorável à revogação da prisão do ex-secretário. Porém, cabe a Moraes a decisão.
O ex-ministro era secretário de Segurança Pública do DF no dia dos ataques, mas estava em viagem familiar nos Estados Unidos. Ao decretar a prisão preventiva de Anderson Torres, Moraes declarou que “absolutamente todos serão responsabilizados civil, política e criminalmente pelos atos atentatórios à democracia, ao Estado de Direito e às instituições, inclusive pela dolosa conivência — por ação ou omissão — motivada por ideologia, dinheiro, fraqueza, covardia, ignorância, má-fé ou mau-caratismo”.
O golpismo bolsonarista
Era noite de 30 de outubro, poucas horas após a confirmação da vitória de Lula no segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Enquanto partidários do petista celebravam em todas as partes do país, eleitores inconformados do então presidente e candidato derrotado, Jair Bolsonaro, começaram a realizar bloqueios em estradas. Começava uma série de atos golpistas que tomariam o noticiário político do país nos meses subsequentes, e que relembramos agora.
Enquanto Bolsonaro, isolado, remoía a derrota, sem conceder entrevistas e negando contato até mesmo a assessores próximos, parte de seus apoiadores, inicialmente identificados como caminhoneiros, montava barricadas e impedia que veículos transitassem em rodovias. A Polícia Rodoviária Federal, que no dia da eleição foi usada pelo bolsonarismo para tentar evitar que eleitores de Lula chegassem a seus locais de votação, informou que “monitorava” os episódios.
O silêncio do então presidente em fim de mandato foi rompido apenas no dia 1º de novembro, dois dias após a eleição, quando fez discurso dúbio e não reconheceu abertamente a vitória de Lula. Na ocasião, afirmou que os atos golpistas, aos quais chamou de “movimentos populares”, eram “fruto de indignação e sentimento de injustiça, de como se deu o processo eleitoral”, sem explicar a que “injustiças” se referia.
Motivados pelo discurso do “mito”, muitas vezes agressivos, e contando com apoio de parte da população e do empresariado, bolsonaristas insistiram em suas alegadas “manifestações” nas estradas. No dia 2, feriado de finados, Bolsonaro foi às redes sociais pedir que as rodovias fossem desbloqueadas, mas demonstrando apoio às manifestações golpistas.
Ainda no dia 2 de novembro, forças de segurança foram mobilizadas para desmontar as barricadas e liberar o fluxo de veículos pelas rodovias. Os bloqueios totais das estradas só acabaram na noite de 3 de novembro, quatro dias após o fechamento das urnas. Mas não era o fim do golpismo bolsonarista.
Nascem os acampamentos de “patriotas”
O país começava a acompanhar os primeiros movimentos de Lula e de seus aliados para formação do novo governo quando o autoproclamado movimento “patriótico” começou a mudar o foco de sua atuação. Ainda no feriado de finados, foram registrados os primeiros “atos” junto a quartéis das forças armadas, com direito, inclusive, a saudações nazistas.
Naquela primeira semana de novembro, com os esforços para desbloqueio das estradas, começaram a se consolidar os “acampamentos” que tomariam as calçadas, praças e parques junto às instalações da Marinha, Aeronáutica e, principalmente, do Exército, por todo o país.
Embora houvesse cientistas e analistas políticos que apostassem em um enfraquecimento natural do golpismo, as cenas que causavam incredulidade quando compartilhadas (como os “patriotas” que pediam ajuda extraterrestre) se repetiam semana após semana. Os chefes militares da época se manifestaram, mas não condenaram as posturas antidemocráticas.
Parlamentares bolsonaristas, em tentativas desesperadas de reverter por caminhos criminosos o resultado da eleição, atuaram para engajar as redes sociais em seus pedidos por golpe de estado. O Supremo Tribunal Federal, enquanto isso, trabalhava para identificar as pessoas e empresas que financiavam os acampamentos – que muitas vezes tinham infraestruturas dignas de megaeventos.
Autoproclamados “patriotas”, que se revezavam sob chuva e sol, se viam cumprindo uma missão histórica, ou até mesmo uma cruzada religiosa. Porém, antes de assumir o ministério da Justiça, Flávio Dino demonstrou preocupação com o andamento das “manifestações”, e afirmou que os acampamentos tinham se tornado incubadoras de terroristas.
“Aquele pessoal dos acampamentos vivia em um mundo paralelo. Conversei com algumas pessoas, escutei relatos que falei ‘não é possível que essa pessoa está falando isso’. Teve um que me abordou um dia lá, falou pra mim que era um extraterrestre. Que estava ali infiltrado, e que assim que o exército tomasse, os extraterrestres iam ajudar o exército a tomar o poder”, relatou, já em 2023, o coronel da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Jorge Naime, ex-comandante do Departamento Operacional da corporação.
O último mês de Bolsonaro ocupando a presidência foi marcado por episódios como uma tentativa de invasão de prédio da Polícia Federal, em 12 de dezembro, e por pelo menos duas ameaças de bomba em Brasília nos dias próximos ao Natal. Era o prenúncio do que viria no mês seguinte.
Novo governo assume, e vem o 8 de janeiro
Havia grande expectativa para o dia da posse de Lula na presidência, em 1º de janeiro. Um esquema especial foi montado para garantir a segurança de milhares de pessoas que se reuniram na capital federal. O dia foi de festa. A cerimônia de posse transcorreu sem problemas graves, e o clima era de aparente tranquilidade.
Parte dos “patriotas”, porém, seguia mobilizada, em Brasília e em cidades por todo o país. A mobilização cresceu e ganhou forma. E chegou o 8 de janeiro, dia de um dos episódios mais vergonhosos, tristes e absurdos da história do Brasil, quando bolsonaristas partiram para o ataque contra prédios públicos na Praça dos Três Poderes.
As imagens que circularam por todo o mundo chocaram. Houve consequências relevantes no cenário político, como o afastamento temporário do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha; a prisão do então secretário distrital de Segurança Pública, Anderson Torres; e a intervenção federal na segurança no DF, encerrada em 31 de janeiro.
De lá para cá, as investigações avançaram. Centenas de pessoas acusadas de financiamento ou envolvimento direto nos atos foram presas, em diversas partes do país. Além disso, documentos mostraram falhas na segurança e leniência de militares.
Após vídeo, ministro de Lula cai; CPMI a caminho
Desde os primeiros instantes, o bolsonarismo mostrou estar confuso sobre como agir em relação à quebradeira de 8 de janeiro. Entre parlamentares e aliados próximos do agora ex-presidente, houve aqueles que se manifestaram nas redes sociais apoiando as “manifestações”, mas depois tiveram de recuar. Outros, porém, tentaram se esquivar desde os primeiros momentos.
Mesmo com as fartas evidências de que os principais envolvidos nos ataques (como financiadores ou executores) são apoiadores de Bolsonaro ou pessoas ligadas a ele, os parlamentares ligados ao ex-presidente adotaram uma narrativa paralela, reforçada pelo vídeo divulgado na última quarta-feira (19) pela CNN Brasil.
As imagens mostram o agora ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Lula, Gonçalves Dias, circulando por corredores do Palácio do Planalto no dia dos ataques. Rapidamente, o bolsonarismo voltou à carga na busca por uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigaria os atos antidemocráticos, em mais uma tentativa de mudar o foco e incriminar (sabe-se lá como) pessoas ligadas ao governo Lula pelos atos causados pelos apoiadores do antecessor.
Em um dos últimos movimentos do caso, houve a formação de maioria no Supremo Tribunal Federal para que os golpistas se tornem réus. A provável criação da CPMI – que agora tem apoio formal de lideranças do governo no congresso – deve trazer novos capítulos à novela.