9 de dezembro de 2024

PF vê novas rotas do narcotráfico no país e mira dinheiro das maiores facções

Investigação aponta também migração para outros países, como Equador, que vive crise de segurança

O chefe máximo do PCC (Primeiro Comando da Capital), Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, deixa o Hospital de Base, em Brasília (DF), escoltado por policiais federais após passar por bateria de exames médicos
O chefe máximo do PCC (Primeiro Comando da Capital), Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, deixa o Hospital de Base, em Brasília (DF), escoltado por policiais federais após passar por bateria de exames médicos – André Coelho -21.jan.2020/Folhapress

FÁBIO SERAPIÃO

FOLHA DE S.PAULO

BRASÍLIA – O recrudescimento do combate ao narcotráfico em algumas regiões do país fez a Polícia Federal mapear novas rotas de envio de drogas para a Europa.

Além de caminhos dentro do próprio Brasil, os investigadores também identificaram novas rotas que envolvem países da América do Sul, entre eles o Equador, onde a criminalidade ligada ao tráfico é responsável por uma onda inédita de violência.

Dominado principalmente por facções criminosas, o tráfico de entorpecentes no país tinha até os últimos anos duas rotas principais para escoar a produção de países como Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia.

Uma, chamada de Caipira, levava a droga proveniente do Paraguai e Bolívia, por meio da fronteira com Paraná e Mato Grosso do Sul, aos portos da região sudeste, de onde seguiam para a Europa por via marítima.

A outra, na região norte, ligava os países produtores, como Peru e Colômbia, pelos rios da região amazônica a alguns portos de estados como o Ceará e Rio Grande do Norte.

Historicamente, a rota caipira é dominada pelo PCC (Primeiro Comando da Capital), e a rota na região Norte está sob domínio do Comando Vermelho, as duas maiores facções do Brasil.

Embora haja essa divisão, essas facções e outros grupos locais se enfrentam na disputa por esses caminhos e deixam rastros de violência nesse embate.

Em 2023, investigações da PF apontaram para a consolidação de novas rotas que, embora mais longas em muitos casos, passaram a ser utilizadas para evitar regiões onde houve o aumento da fiscalização, como os portos da região sudeste, por exemplo.

Coordenador-Geral de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas da PF, o delegado Júlio Danilo Souza Ferreira citou as novas rotas que aparecem em operações deflagradas no último ano.

Duas delas envolvem países vizinho e não passam pelo Brasil. Uma se vale do Equador para escoar a droga produzida na região e é apontada como a responsável pela crise de violência registrada no país nos últimos meses.

A outra se vale dos rios Paraná e Paraguai para escoar a droga por meio de portos da Argentina e Uruguai até os países europeus

NOME: André Oliveira Macedo APELIDO: André do Rap HISTÓRICO: Suspeito de coordenar o tráfico de drogas internacional para o PCC, via Porto Divulgação/Reprodução

Para Júlio Danilo, o surgimento de novos caminhos fora do Brasil, que ele classifica como ilógicos uma vez que são mais longos, pode ter relação com aumento ao combate às facções e o foco na descapitalização das organizações criminosas aqui no país.

“Eles vão buscando novas rotas porque aqui começamos a bater muito”, afirma.

Já em relação aos novos caminhos utilizados pelos criminosos dentro do país, o delegado cita como motivo da mudança, por exemplo, o aumento da fiscalização em alguns portos, como o de Santos, onde 100% dos contêineres passaram a ser escaneados.

Nesse cenário, diz o delegado, portos da região Nordeste e da região Sul passaram a aparecer nas investigações como saída da droga com destino a Europa.

Uma dessas rotas apareceu na operação Hinterland, deflagrada em março. Os investigadores descobriram que empresas de logística marítima sediadas nos portos de Rio Grande (RS) e Itajaí (SC) eram utilizadas para o envio de drogas para a Europa.

O volume de droga movimentado, apontaram os investigadores, era tão grande que a Justiça decretou o sequestro de 159 bens móveis e imóveis como aeronaves, automóveis, apartamentos e áreas rurais avaliadas em mais de R$ 500 milhões.

Outra operação, batizada de Match Point, mostrou a utilização de outro porto na região Sul, o de Florianópolis (SC), como saída para a droga proveniente dos países vizinhos.

Nesse caso, a PF conseguiu autorização para sequestrar cerca de R$ 150 milhões em bens dos investigados. Além de Santa Catarina, integrantes do grupo foram presos na região Nordeste.

Júlio Danilo afirma que tanto portos de estados do Nordeste, como outros menos conhecidos na região Norte, passaram a entrar na mira após suspeitas de uso para exportação de droga para países europeus.

Na região Norte, diz o delegado, a PF percebeu o aumento de casos no Pará, com o uso de veleiros e barcos pesqueiros que são carregados em locais mais distantes da costa, para evitar os órgãos de fiscalização.

No Nordeste, essas novas rotas têm impactado nos índices de violência, como é o caso da Bahia, que virou teto de vidro para o governo Lula (PT) na segurança pública.

Em maio, uma investigação mostrou como a facção baiana BDM (Bonde do Maluco) se instalou na Ilha de Maré e faz do lugar um ponto de logística de fornecimento, transporte, depósito e exportação dos carregamentos de armas e drogas.

A BDM é aliada do PCC e apontada como uma das responsáveis pelo aumento de crimes violentos no estado.

Júlio Danilo afirma que a PF tem fortalecido os grupos de investigações sensíveis (os Gises), as forças tarefas em conjunto com polícias estaduais (as Ficcos), além de buscar a descapitalização das organizações criminosas e de suas lideranças.

De acordo com os dados da PF, em 2023 foram apreendidos ao menos R$ 2 bilhões desses grupos, contra R$ 602 milhões em 2022.

“O Ministério da Justiça investiu recursos nisso, recrutamos e selecionamos policiais para trabalhar nessas unidades para fazer o enfrentamento das facções. Também fomentamos a diretriz para focar facções, principalmente as envolvidas ou que desencadeiam criminalidade violenta”, afirma.

Para o delegado, não identificar as lideranças e focar só em apreensões de droga faz com que elas continuem atuando, mesmo com a apreensão das mercadorias.

“Se não ataco o patrimônio da organização, não impossibilito que ela compre mais droga e faço com que ela continue negociando, pague advogados, etc. O alvo tem que ser ‘os cabeças’ e a descapitalização. É uma diretriz da PF há muitos anos, mas vamos amadurecendo cada vez mais esse formato.”

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