1 de dezembro de 2024

Senado vota a Reforma Tributária nesta quarta; entenda os principais pontos

Senado contemplou mais de 30 mudanças extras por parlamentares para ampliar apoio à proposta

Reunião da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado Federal para discussão e votação da proposta de Reforma Tributária – Pedro Ladeira/Folhapress

IDIANA TOMAZELLI E THAÍSA OLIVEIRA

FOLHA DE S.PAULO

BRASÍLIA – O texto da Reforma Tributária aprovado nesta terça-feira (7) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado contemplou mais de 30 mudanças adicionais sugeridas por parlamentares para ampliar o apoio político à proposta.

As alterações têm impacto para famílias de baixa renda, para setores econômicos ou para estados e municípios. A previsão é que o texto seja votado nesta quarta-feira (8) no plenário da Casa, em dois turnos.

De acordo com o relator da PEC (proposta de emenda à Constituição), senador Eduardo Braga (MDB-AM), as modificações foram “ajustes pontuais”. Ele ressaltou que elas foram acordadas com o Executivo.

“Isso tudo foi discutido com o ministro da Fazenda [Fernando Haddad], com o governo e com os senadores que compõem a CCJ”, disse Braga, nesta terça.

Veja as principais mudanças no texto e o que é a Reforma Tributária.

CASHBACK

A Reforma Tributária agora inclui um cashback obrigatório para famílias de baixa renda na aquisição do gás de botijão. O cashback é um mecanismo que prevê a devolução do tributo pago pelo consumidor.

Braga já havia previsto na primeira versão do texto o reembolso compulsório dos impostos recolhidos sobre a conta de luz das famílias mais vulneráveis.

TRANSIÇÃO FEDERATIVA

A PEC traz ainda ajustes na chamada transição federativa, que vai durar 50 anos e compreende a redistribuição de receitas entre estados e municípios para evitar oscilações abruptas após a migração da cobrança dos tributos da origem (onde bens e serviços são produzidos) para o destino (onde ocorre o consumo).

Essa transição é invisível ao contribuinte, mas tem peso e relevância para o planejamento fiscal dos governos regionais.

Na versão inicial do texto, estados e municípios poderiam manter patamar de receitas semelhante ao atual, independentemente de esforço para fiscalizar o cumprimento da nova legislação ou do seu desempenho econômico —permitindo que alguns pegassem “carona” na eficiência dos demais.

A reforma agora contém um fator de ajuste para premiar os entes que forem mais eficientes e conseguirem ampliar sua fatia no bolo total de receitas sob o novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), como antecipou a Folha.A Câmara criou um grupo de trabalho, coordenado pelo deputado Reginaldo Lopes (à direita), para elaborar uma nova proposta de reforma tributária. O texto foi apresentado em 22 de junho pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (à esquerda). Nesta primeira fase, a reforma trata de tributos sobre o consumo.A Câmara criou um grupo de trabalho, coordenado pelo deputado Reginaldo Lopes (à direita), para elaborar uma nova proposta de reforma tributária – Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

INCENTIVOS

Outra alteração foi a ampliação do escopo da prorrogação dos incentivos a montadoras do Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

O mecanismo, apelidado na Câmara de “emenda Lula” por ter sido um pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), havia sido derrubado pelos deputados.

Inicialmente, o benefício foi reincorporado por Braga, mas restrito a veículos elétricos ou híbridos que utilizem etanol. A versão que chega ao plenário também carros flex (movidos a etanol ou gasolina).

A mudança foi acolhida a partir de uma emenda do líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES).

O relator ainda previu isenção dos novos tributos na aquisição de automóveis por pessoas com deficiência, pessoas com transtorno do espectro autista ou taxistas profissionais.

FUNDO REGIONAL

O relator também fez um aceno aos estados do Centro-Oeste, que haviam ficado insatisfeitos com a divisão dos recursos do FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional).

O critério do fundo, que receberá R$ 60 bilhões anuais da União para bancar incentivos ao desenvolvimento local (valor mantido pelo relator), vai privilegiar estados com menor renda per capita ou população mais numerosa.

Governadores do Centro-Oeste se sentiram prejudicados, pois seus estados têm renda per capita mais elevada e, ao mesmo tempo, número de habitantes menor do que outras unidades da Federação.

PRODUTOS PRIMÁRIOS E ELABORADOS

Numa espécie de compensação, Braga retomou um artigo da Câmara que prorroga até 31 de dezembro de 2043 a autorização para cobrar uma contribuição sobre produtos primários e elaborados, como minérios e commodities agrícolas, produzidos em seus respectivos territórios para financiar obras de infraestrutura e habitação.

A medida beneficia estados como Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Pará. Inicialmente, o relator havia limitado o prazo de vigência dessas contribuições até 2032, mas decidiu retomar o prazo maior da Câmara para agradar aos governadores da região Centro-Oeste.

O relator também retomou outras mudanças feitas pela Câmara, como a possibilidade de isenção ou alíquota zero para atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística. Esse item havia sido excluído na primeira versão do parecer.

REGIME ESPECÍFICO

Outra novidade do texto da PEC é a possibilidade de criação de um regime específico de tributação para atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol.

O objetivo é permitir o recolhimento unificado dos tributos por essas entidades. A decisão acolhe uma emenda do senador Carlos Portinho (PL-RJ), líder da principal sigla de oposição ao governo no Senado.

APOIO POLÍTICO

As modificações adicionais promovidas por Braga se deram para ampliar a aceitação do texto da PEC (proposta de emenda à Constituição) entre os senadores. Na CCJ, o texto-base foi aprovado por 20 a 6.

Há duas semanas, o relator já havia ampliado as exceções setoriais e elevado de R$ 40 bilhões para R$ 60 bilhões o repasse anual que a União precisará fazer aos estados para que eles consigam financiar a atração de investimentos locais após a reforma.

Além dos ajustes no texto, o governo também deflagrou uma estratégia de articulação. Após derrotas importantes sofridas na Casa, Lula entrou em campo na véspera da votação e recebeu líderes do Senado no Palácio do Planalto na noite de segunda-feira (6).

Apesar do risco remoto de rejeição a uma proposta tão relevante quanto a Reforma Tributária, o chefe do Executivo recebeu o alerta de aliados sobre a necessidade de fazer um gesto de aproximação aos senadores.Benefício para cesta básica e produtores rurais: A proposta prevê uma redução de 50% no imposto para produtos e insumos agropecuários, o que manteria a carga tributária da cesta básica inalterada. O setor quer uma desoneração maior (80%) e a inclusão de mais produtos na lista.Benefício para cesta básica e produtores rurais: A proposta prevê uma redução de 50% no imposto para produtos e insumos agropecuários, o que materia a carga tributária da cesta básica inalterada – Foto: Ministério da Fazenda

Desde o início da atual gestão, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) elegeu a Reforma Tributária como uma das prioridades da agenda econômica.

O QUE PREVÊ A REFORMA TRIBUTÁRIA

A proposta prevê a fusão de PIS, Cofins e IPI (tributos federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) em um IVA (Imposto sobre Valor Agregado).

O sistema será dual: uma parcela da alíquota será administrada pelo governo federal por meio da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), e a outra, por estados e municípios pelo IBS.

Também será criado um Imposto Seletivo sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde (como cigarros e bebidas alcoólicas) ou ao ambiente, à exceção dos produzidos na Zona Franca de Manaus.

De acordo com o texto, a implementação dos novos tributos começará em 2026, com uma alíquota teste de 0,9% para a CBS e de 0,1% para o IBS.

Em 2027, PIS e Cofins serão completamente extintos e substituídos pela nova alíquota de referência da CBS. As alíquotas do IPI também seriam zeradas para a entrada em vigor do Imposto Seletivo.

A migração dos impostos estaduais e municipais para o novo IBS será mais gradual, com conclusão em 2033.

As alíquotas definitivas de cada tributo serão detalhadas depois, em lei complementar, mas estimativas do governo indicam que a cobrança total do novo IVA deve ficar entre 26,9% e 27,5% —já contando com o efeito das exceções adicionais incorporadas por Braga em seu parecer.


ENTENDA A REFORMA TRIBUTÁRIA SOBRE O CONSUMO

Tributos extintos

  • IPI (federal)
  • PIS (federal)
  • Cofins (federal)
  • ICMS (estadual)
  • ISS (municipal)

Tributos criados

  • CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), na esfera federal
  • IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), de competência estadual e municipal
  • Imposto Seletivo (sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao ambiente)
  • A Cide, já existente, passa a poder incidir sobre importação, produção ou comercialização de bens que também tenham industrialização incentivada na Zona Franca de Manaus

Operações tributadas pela CBS e pelo IBS

  • Serviços, bens (materiais ou imateriais) e direitos, inclusive nas importações
  • Não incidem sobre exportações, com previsão de devolução do tributo pago pelo exportador sobre insumos

Alíquotas

  1. Padrão: deve ficar entre 26,9% e 27,5%, segundo cálculos da Fazenda
  2. Intermediária: 70% da padrão, concedida a profissionais liberais de categorias regulamentadas (ex: advogados, engenheiros, contadores).
  3. Reduzida: 40% da padrão, válida para as seguintes atividades:
  • serviços de educação
  • serviços de saúde
  • dispositivos médicos
  • dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência
  • medicamentos
  • produtos de cuidados básicos à saúde menstrual
  • serviços de transporte coletivo rodoviário e metroviário de caráter urbano, semiurbano e metropolitano
  • produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura
  • insumos agropecuários e aquícolas
  • alimentos destinados ao consumo humano
  • produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda
  • produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais, atividades desportivas e comunicação institucional
  • bens e serviços relacionados a soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética

Outras reduções autorizadas em lei complementar:

  • Isenção para transporte coletivo
  • Redução de 100% da alíquota total para medicamentos, dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência, produtos de cuidados básicos à saúde menstrual, além de produtos hortícolas, frutas e ovos (Cesta Básica Nacional)
  • Redução de 100% da alíquota total para automóveis de passageiros adquiridos por pessoas com deficiência, pessoas com transtorno do espectro autista ou por motoristas profissionais que destinem o automóvel à utilização na categoria de aluguel (táxi)
  • Isenção ou redução em até 100% das alíquotas dos tributos para atividades de reabilitação urbana de zonas históricas e de áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística
  • Redução em 100% da alíquota da CBS incidente sobre o Prouni e sobre serviços prestados por entidades de inovação, ciência e tecnologia sem fins lucrativos.
  • Limite de receita anual de R$ 3,6 milhões para que o produtor rural pessoa física ou jurídica possa não pagar IBS e CBS

Regimes específicos

  • combustíveis e lubrificantes
  • serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos (loterias e apostas)
  • sociedades cooperativas
  • serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, agências de viagens e turismo, bares e restaurantes, atividade esportiva desenvolvida por Sociedade Anônima do Futebol e aviação regional
  • operações alcançadas por tratado ou convenção internacional
  • serviços de saneamento e de concessão de rodovias
  • serviços de transporte coletivo de passageiros rodoviário intermunicipal e interestadual, ferroviário, hidroviário e aéreo
  • operações que envolvam a disponibilização da estrutura compartilhada dos serviços de telecomunicações

Cashback

  • Possibilidade de devolução de tributos a pessoas físicas, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda
  • Mecanismo será obrigatório para conta de luz e gás de botijão, focado em famílias de baixa renda

Fundos

  • Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, com recursos da União para estados, para financiar instrumentos de incentivo à atividade local (valor inicial de R$ 8 bilhões em 2029, chegando a R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043)
  • Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Estado do Amazonas, com recursos da União (a ser detalhado em lei complementar)
  • Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais do ICMS, destinado a compensar benefícios já concedidos a empresas e convalidados até 2032. Receberá R$ 160 bilhões da União entre 2025 e 2032.

Gestão do IBS

  • Texto cria Comitê Gestor do IBS, estrutura semelhante à que já existe no Simples Nacional
  • Membros: 27 representantes dos estados e do Distrito Federal, mais 27 membros representando o conjunto dos municípios e do DF (sendo 14 deles eleitos por maioria de votos e 13 deles por votos de municípios ponderados pelas respectivas populações)
Compartilhe
Notícias Relacionadas
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    Sites Profissionais
    Informe seus dados de login para acessar sua conta